2/25/2015

EX-CRITAS: VARIAÇÕES

Ex-critasvariaççções



Dia 27 de março, às 18h |
Villa Toscana: Travessa 9 de janeiro nº 1683 Entre Gentil e Magalhães Barata | Belém




Uma cripta, um lugar, uma escrita.

Um ponto de ancoragem, a partir do qual o sentido derrapa e a linguagem se arranha. Um sítio onde localizar o vazio; furo que requer uma borda. Uma borda feita de letras. Um efeito chamado escritura – margem, nessa derrapagem em que a palavra não cabe no dizer.

Alguns escritores escrevem desde aí, desse lugar mítico, originário, ex-sistente. Solitário por definição. Eles insistem, impulsionados por algo que se nutre da impossibilidade, do precário, das ruínas, do fragmentário.  Escrevem na simultaneidade com que fundam esse lugar, essa cripta/escrita – de onde saem e para aonde voltam, desalojados de uma instância que lhes dê garantias, pois se trata de uma produção de risco, arisca ao suposto  sucesso de um sentido imediato e unívoco.

Sair dessa cripta é tocar no real, no impossível de dizer ou simbolizar. É ser contemporâneo de uma experiência que está no fundamento que faz o ser falante existir, em sua extimidade – quando, tal como uma banda moebiana, a borda interna do exterior se retorce na borda externa da intimidade.

Como podemos ler esses escritores, se a escrita de que se trata nos joga para fora do sentido, bem dentro do olho do furacão?









Com Lacan, quando a psicanálise e a crítica literária se encontram – sempre no limite de cada um desses campos – tal escrita interessa porque ela se coloca do lado do enigma, interrogando, fundamentalmente, o que está no cerne da transmissão através de um escrito.

Com o termo lituraterra Lacan (Outros escritos. 2003, p. 15-25)  nomeia um campo textual que se destaca da literatura, embora a ela esteja relacionado. O que importa é o texto enquanto escritura (dis-junto, portanto, da literatura). Nesse dentro-fora, na dobra de um sobre o outro, nessa disjunção elementar, o texto pode ser lido a partir de um outro lugar enunciativo. Em suas variações, que são muitas.

Esse trabalho com o texto levou Lacan a formular a noção de letra, na contrapartida do simbólico, do significante e dos signos. A letra, nesse contexto, ganha o estatuto daquilo que faz furo no saber tanto quanto é capaz de fazer uma borda ao redor desse furo, tornando-se um conceito angular – a pedra, o pêndulo, o caroço da transmissão. Situada entre o real que não conhece o sentido e o saber com o qual os significados se vestem.

Barthes se posiciona de um modo novo em face à crítica literária de sua época, ao propor que um texto nem sempre é lugar de prazer. Para além dos textos confortáveis e idílicos, há essa outra escrita, que aponta, ao contrário, a um lugar de desconforto, próprio ao gozo que se vive nessa experiência. Por isso costumam ser vertiginosos, esses textos. Eles demandam uma posição diferente de seus leitores (portanto, de seus críticos), para que a crítica se faça com alguma verdade.

Barthes considera impossível proceder  uma leitura/escrita “de fora” do texto. É preciso escrever/ler “de dentro” do texto; nele, em seu interior, confundido com o escritor que inicialmente o concebeu. É preciso que o leitor “adentre” no “fora” do escritor. Talvez por isso a crítica tradicional muitas vezes os considerem textos herméticos, inanalisáveis e sem lugar “[...] Com o escritor de gozo (e seu leitor) começa o texto insustentável, o texto impossível. Este texto está fora-de-prazer, fora-da-crítica, a não ser que seja atingido por um outro texto de gozo: não se pode falar ’sobre’ um texto assim, só se pode falar ‘em’ ele, à sua maneira” (O prazer do texto. Perspectiva, 1997,  p.31-32).





Maurice Blanchot nos adverte, ao falar do espaço literário, que a solidão de que se trata na obra não se confunde com o recolhimento ao qual o escritor se vê convocado para poder criar. Tal solidão  − essa, da cripta / da ex-crita – ela não diz respeito ao escritor, ao “ser que escreve”, e sim à obra. Afinal, no ato da escrita o “ser do escritor” está apagado, “arrastado para fora de si”, diz Blanchot. [O livro por vir. Relógio d´Água, 1984, p.230]. Por esse motivo é que tal ato implica um esvaziamento imaginário. Um esburacamento do sentido. Um arrastamento, para fora de si, do eu de quem escreve. Um perder-se. A experiência do exterior, tal como testemunhada por Blanchot, elimina o engano de um viés existencialista a respeito da experiência solitária do escritor: “escrever é quebrar o elo que une a palavra a mim mesmo”, sentencia ele. O escritor, que aí se lança, não ruma a um mundo mais seguro; tampouco se dirige na direção de uma linguagem mais bela. Neste instante o escritor é simplesmente “falado” por uma voz que o guia, numa errância alucinada, em decorrência do simples fato dele estar sob a égide de uma dessubjetivação. Assim, pelos desvãos que a sua palavra gradativamente contorna, o escritor positiva o silêncio que faz a obra ser o que ela é. Por isso o espaço literário blanchotiano advém de uma extremidade radical, que aponta ao sem limite de um espaço sem dimensão, bem como a uma temporalidade outra, em que o tempo que não está fora do tempo, embora este também seja experimentado como exterior: “no apagamento a que ele é convidado, o grande escritor ainda se mantém: quem fala nele já não é ele, embora não se trate do deslizamento puro da fala de alguém” [L’espace littéraire. Éditions Gallimard, 2009, p.22-23 | tradução nossa]

É nessa direção que, no ato de criação, solidão e silêncio se emaranham, numa teia insólita de palavras quase mudas, vindas de uma zona limítrofe. Essas palavras contornam um espaço vazio, que ex-siste, desenhando uma curvatura: a curva da borda daquilo que é possível formular num dizer. Mas nem tudo é possível... E essa solidão é essencial porque se refere ao encontro com o impessoal; com o Quelqu’un do qual fala Blanchot, uma das leituras possíveis do Outro da linguagem.



Convidamos a todos os que se sentirem concernidos por essas questões para que venham ao nosso encontro, no dia 27 de março de 2015, a partir das 18h. Entre nós estarão escritores, leitores, poetas, filósofos, psicanalistas, antropólogos, artistas. Carlos Eduardo Leal (RJ), Edilson Pantoja (PA), Elisabeth Bittencourt (RJ), Luciana Brandão Carreira (PA),  Nilson Oliveira (PA),  Ramon Cardeal (PA),  Renato Torres (PA),  Patrícia Vital (RJ),  fomentarão as trocas. Após suas falas, ofereceremos um recital, um brinde e um momento de autógrafos – tudo com a mais pura alegria da partilha. Gratuitamente, basta vir.





























P R O G R A M A Ç Ã O

18H: MESA I | ENTRE EX-CRITAS
Nilson Oliveira - Elisabeth Bittencourt - Ramon Cardeal


19h: Mesa II | EX-CRITAS E SUAS VARIAÇÕES
Luciana Brandão Carreira - Carlos Eduardo Leal - Edilson Pantoja

20H. RECITAL: TERTÚLIA | O GRAU ZERO DA EX-CRITA
Renato Torres - Patrícia Vital (e outros)



21h. LANÇAMENTOS E AUTÓGRAFOS DE LIVROS

ABAÚNA E OUTROS POEMAS | Aline de Mello Brandão

O CÉU DA AMARELINHA e A ÚLTIMA PALAVRA e NÓ GÓRDIO | Carlos Eduardo Leal

A VAIDADE NO FEMININO | Elisabeth Bittencourt
A PEDRA DE BABEL | Edison Pantoja

OS TEMPOS DA ESCRITA NA OBRA DE CLARICE LISPECTOR – NO LITORAL ENTRE A LITERATURA E A PSICANÁLISE e
ENTRE | Luciana Brandão Carreira

PERIFEÉRICO | Renato Torres

VINHO SECO | Patrícia Vital
O ESTRANGEIRO E OUTROS ANDARILHOS | Ramon Cardeal

REVISTA POLICHINELLO






***************






SOBRE OS CONVIDADOS

CARLOS EDUARDO LEAL. Poeta, artista plástico e psicanalista. Doutor em Psicologia Clínica PUC-RJ. Autor de: O Nó Górdio (Cia de Freud Editora). A Última Palavra (Rocco Editora). O Céu da Amarelinha (Rocco Editora)

EDILSON PANTOJA. Escritor e filósofo. Autor dos romances: Albergue Noturno (Prêmio IAP de Literatura, 2005) e A Pedra de Babel (São Paulo: Editora All Print, 2010).

ELISABETH BITTENCOURT. Psicanalista e Escritora. Analista Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro. Coordenadora dos Encontros de Psicanálise e Direito da Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro. Autora do livro “A vaidade no feminino”.

LUCIANA BRANDÃO CARREIRA. Poeta, psicanalista e psiquiatra, doutora em Psicanálise pela UERJ . Pesquisadora da rede internacional de pesquisa Escritas da Experiência. Professora da UEPA e Cesupa. Autora dos livros ‘Entre’ (Verve, 2014) e ‘Os tempos da escrita na obra de Clarice Lispector – no litoral entre a literatura e a psicanálise’ (Cia de Freud, 2014). Componente no núcleo editorial da Revista Polichinello.

NILSON OLIVEIRA. Escritor e ensaísta. Componente no núcleo editorial da Revista Polichinello.

PATRÍCIA VITAL. Graduada em Música pela Universidade do Estado do Pará e foi integrante da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz. Vencedora de uma bolsa de experimentação e pesquisa do Instituto de Artes do Pará, em 2012. Em 2014 publicou seu primeiro livro de poesia, Vinho Seco, pela Verve editora.

RAMON CARDEAL. Escritor e ensaísta. Autor de O Estrangeiro e outros andarilhos (vencedor do premio IAP de literatura de 2013)

RENATO TORRES. Cantor, compositor, poeta. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014)



Realização | Revista Polichinello
revista.polichinello@gmail.com