12/20/2014

RÉQUIENS | ANTONIO CANTÍDIO




R É Q U I E N S









RÉQUIEM 15
Era bem madrugada e nossa catedrática feliz e linda cantava NE ME QUITTE PAS, em uma das mãos um copo de Uísque e na outra um cigarro, no rosto a marca do rímel que denunciava o caminho das lágrimas. Alta, magra, loira, inteligente, culta e bela nossa amiga preceptora feliz e bem amada atirou-se do vigésimo andar de seu prédio. O pior: ninguém lamentou o ocorrido.








RÉQUIEM 21
Ele é carroceiro, passa o dia carregando entulho de construção. Manel é trabalhador e adora uma buchudinha, uma cerveja, um São João da Barra, um Domus, qualquer coisa que tenha álcool. Assim, assim ia levando sua vida, se não era uma vida feliz .... feliz, era no mínimo ... mínimo suportável. Até que conheceu Nazaré, puta que pariu !!!!!! Tem sido sua desgraça, entre um gole e outro de cachaça, no boteco do seu Paulo, Manoel me falava de sua triste sina, fazia tempo que não se apaixonava, até que das trevas surgiu Naza, professor !!!! me dizia, já bêbados eu e ele: veja o absurdo a mulher não gosta de ovo, nem de sardinha, nem de miojo, açaí só papa e com camarão grande. Porra professor, disse ele, a pior coisa é pobre querendo ser rico, não gostar de ovo é absurdo. Tem mais, pra fazer sexo eu tenho que dá cinquenta reais e ... não é completo !!!  Enquanto bebíamos outra dose de cachaça Nazaré surge aos gritos: porra Manel cadê o caralho da merda do açaí? Tu fica aí bebendo cachaça eu esperando que nem uma lesa, vai logo comprar e deixa esse Professor papudinho aí. Ei, disse Manel aborrecido, respeita o professor !!! hummm tu é fresco é, dá logo cu pra ele . pra evitar mais constrangimento Manel foi comprar o açaí com os únicos 15 reais que tinha.








RÉQUIEM 45
Nunca perdoou o pai pelo seu nome, não pela sua estranheza, mas pela sacanagem irresponsável daquele velho maldito, por mais improvável que pareça tudo em sua vida está ligado a esse nome, toda sua infelicidade está ligada a isso. Seu Nelson, que na década de 70 estudou filosofia, muito a contragosto de sua esposa pôs o nome de seu primeiro filho de Epicuro, filosofo grego até bonzinho. Sua mãe pra aliviar o nome tentou um apelido, só que Epicuro é um nome que não cabe apelido, fica mais estranho. Seria : pipi, cucu, picu, só piorava, por isso sua mãe pôs-lhe o apelido de Alexandre. Só que era tarde os moleques e os parentes pra sacanear recusaram o apelido e o chamavam até excessivamente pelo estranho nome. Epicuro cresceu agressivo e revoltado, a hora da chamada na escola era o horror, todo dia brigava. Hoje o vi, camiseta, bermudão, raspou a cabeça, mandou fazer umas tatuagens no braço, tomou bomba, arrumou uma esposa negra que para agradá-lo manda pintar o cabelo de loiro, ele com a chave do carro na mão, e ela com um cachorrinho da raça Bichon Frisé no colo. Pensei em cumprimentá-lo, mas fiquei com medo, ainda mais agora que é lutador. Epicuro no meio do MMA é conhecido pelo apelido de mostro. talvez desenvolva Alzheimer, e talvez isso possa lhe salvar.









RÉQUIEM 63
Ser professora foi escolha do destino pra Anna, e de Anna pro seu destino. Anna é uma espécie rara de professora, ela é linda, e melhor!!! Não se veste como professora, não tem a cara sofrida de professora, ela é bem resolvida e feliz., Anna se entristece apenas quando lembra do tempo que perdeu com um “ entulho” chamado Mauro, Anna passou dez anos noiva dele, comprou casa, mobília, vestido de noiva, cachorro e gatos. Seu sonho era casar com Mauro, nem ela sabia porque.... amor? Quem sabe ?. Pelo que conheço acho que não. Mauro era namoradinho de adolescência, que foi ficando mesmo sem fazer sentido. Com ele, ela virou mulher, com ele, ela dividiu alguns sonhos, os menores. Os grande sonhos ela sempre guardou consigo, isso por saber que talvez ele....... talvez não, ele jamais compreenderia, era burro demais pra isso. Anna agora se sente inteira, plena, a parte que lhe faltava, e que sempre procurou em lugares óbvios, em homens, mulheres etc.. estava dentro de si, literalmente dentro de si. Anna mesmo tento casos aleatórios com homens e mulheres não permite que se crie expectativas sobre ela. Ela é feliz assim, sem cobrança e vínculos cotidianos. Agora tudo mudou em sua vida, como já disse, Anna se sente plena e, pela primeira vez completa, a improvável gravidez lhe alcançou de surpresa, de início foi o terror, o desespero. Como, e o que é ser mãe? Apesar das dúvidas, do medo e da incerteza, pela primeira vez Anna se sente completa. A felicidade era evidente, Pedro seu filho inesperado mas providencial nasceu grande e forte, Anna passava horas admirando Pedro às vezes procurava nele traços que lhe desse pistas do pai, não que isso importasse, mas todos os traços iam em sua direção, o nariz era seu, os olhos. Pedro cresceu em graça e gloria, cada dia Anna se admirava da inteligência precoce de se filho, O primeiro aniversário de Pedro foi intimo, só Anna e ele, brincaram, fizeram brigadeiros e bolo, ela até se vestiu de palhaço. Até os dez anos a vida de Anna e Pedro foi assim, FELIZ, e tranquila. Por uma covardia do destino Pedro morreu de uma doença congênita, deve ter herdado do pai, disse o médico, Anna não tem a mínima ideia quem seja aquele lhe deu e de certa forma lhe tirou sua completude, mas isso nunca foi importante. Depois da morte de Pedro, Anna não reconhece mais o mundo como algo seu, Anna deixou a sua segunda grande paixão O MAGISTÉRIO e começou a beber, e beber cada vez mais, algumas vezes foi internada em hospitais psiquiátricos, e cada vez enlouquecia mais, numa dessas clínicas conheceu, o que seria seu grande amor da escuridão: Neuton que também estava perdido na loucura. Neuton e Anna um dia desapareceram e reapareceram naquilo que costumou-se chamar de PAU DO URUBU. Anna reapareceu pra vida como Roberta Miranda













RÉQUIEM 21.456
" Hoje o estado do Pará acordou chocado com o suicídio de uma família inteira"
A infelicidade e a impossibilidade para a vida impressionantemente alcançou toda a família de uma só vez . Pai, mãe e filhos. Como em um passe de mágica todos se perderam do sentido da vida. De uma hora pra outra só existe o vazio, a absoluta amplidão: o nada. A sensação de infinitude sem propósito. Mas pra quem conheceu a família sabe que a vontade de morte não ocorreu de uma hora pra outra, que a vida da família nem sempre foi assim. Eles riram juntos, passearam, brincaram, tomaram banho de mangueira, andaram de bicicleta, fizeram churrasco, viajaram etc.. Foram verdadeiramente felizes. Todos na rua, os antigos, lembram quando os filhos eram crianças, quando o pai ainda tomava umas geladas, ouvia música e brincava com os meninos, A mãe mesmo sendo a mais retraída também dava sinais de felicidade, tudo parecia correr bem. A tragédia da família Gonçalves teve seu início há uns dois anos quando a mãe desenvolveu uma tristeza patológica, "a vontade de nada". Cada dia que passava, mais ela se subtraia do cotidiano: já não comia direito, falava bem pouco, às vezes a família caia em desespero com seu choro e seus lamentos incompreensíveis, O pai perdeu qualquer vontade de viver, parou de beber, por pura tristeza, há muito tempo não escuta música, Os filhos se tornaram taciturnos, niilistas, sem amigos, sem namorados ou namoradas. Vendo a mãe -- e o pai por tabela--, morrendo. A vida pra eles também perdeu o sentido e todos acabaram adoecendo da mesma doença da mãe. A casa dos Gonçalves se tornou assustadora, quem passa pela frente sente a escuridão, sente quase que por osmose a dor que precedeu as mortes, Quem entrou na casa e viu a cena, diz que a casa estava irreconhecível, mesmo depois de semanas do ocorrido ainda dava pra senti a grande tristeza que fez com que a vida daquela família perdesse absolutamente qualquer sentido. Quem é mais próximo diz que cada um morreu em cômodo diferente da casa, menos o pai e a mãe que morreram no chão da sala. Os filhos, cada uma morreu em seu quarto. Todos morreram envenenados. No quarto da mãe as fotografias da família eram evidentes, os meninos pequenos, a mãe e o pai rindo, no quarto dos meninos fotos de antigas namoradas e namorados, as mesmas fotografias da mãe. Estavam inacreditavelmente felizes. Chamava atenção uma fotografia, meio rasgada do pai com uma das crianças no macaquinho e a outra tomando banho de mangueira. Sento no sofá e Imagino aqueles quadros, as fotografias, os moveis já deteriorados, como únicas testemunhas daquele horror, e por um brevíssimo tempo consigo me comunicar com eles: com os quadros, as fotografias, o sofá, e experimento a verdadeira e absoluta escuridão e alguns vestígios de pequenas felicidades.











RÉQUIEM 3.456.245
Cada dia por não poder fugir pra fora, dona Raimunda fugia pra dentro de si, para a introspecção, quanto mais pra dentro, mais longe ele ficava de tudo que antes achava importante, de tudo que fazia sentido. Pouco falava, pouquíssimo falava. As vezes pra dar sinal que ainda compreendia o mundo, que ainda estava lá, que ainda não estava totalmente louca ela ria, e balançava a cabeça como querendo dizer: eu entendo. Logo seu riso se desfazia e ela rapidamente voltava pro seu lugar estranho, onde ela convive com tudo que já viveu, com as pessoas amadas, inclusive àquelas que morreram, como seu marido e seu filho mais velho que envenenou-se, às vezes ela é flagrada rindo e balbuciando almas, logo que se sente observada ela se retira rapidamente para aquele lugar onde experimenta a sensação de não-existência individual. O lugar sem nome de Clarice







RÉQUIEM, 1354
Em 1970, todas as casas da rua onde morávamos, na travessa timbó, eram de madeira e cobertas com palha. Havia apenas uma casa de tijolos e coberta com telha de barro. Era uma casa esquisita, era linda, que hoje sei o nome " sobrado". Se a casa era inusitada, sua moradora era mais. Branca, alta, olhos bem azuis, braços e pernas longilíneos, que dava um charme indescritível ao seu sempre presente cigarro. Todos os dias passávamos em frente a sua casa pra irmos à escola, Dr. Justo Chermont, eu e os moleques da rua: bala, Jesus, que todos chamavam de diabo, Patiaba, Ferrugem etc.. Ficávamos sempre surpreendido com sua beleza, mesmo não tendo a mínima noção do que fosse beleza. Tudo era diferente ali, suas músicas eram estranhas, não tinham letras, só era som, e ela além de fumar muito, tinha um hábito meio esquisito pra alguém de sua idade, vivia estudando, vivia com livro nas mãos, e entre um e outro trago de seu inseparável cigarro ela perdia seu olhar lá pras bandas da pedreira. Só muito depois compreendi que ela simplesmente lia, e que seu olhar se perdia nas entrelinhas dos livros.







RÉQUIEM 1707
A Porta da consciência se fechou atrás dele. “provavelmente nunca mais se abrirá”. Afirma o neurologista. Daniel é o filho do meio de uma família de dez irmãos. Dos dez foi o único que estudou, que teve talento pros estudos. Mais que isso, Daniel tem um talento incomum pra compreensão. Enquanto uma pessoa normal aprende e às vezes compreende alguma coisa em três horas. Daniel faz as duas coisas em meia hora. Sua capacidade para o trabalho também era incomum, era capaz de passar quinze horas debruçado sobre um problema científico ou texto filosófico com a mesma disposição de espirito. Certa vez se interessou por filosofia, alias foi a filosofia quem lhe atiçou a curiosidade sobre o cérebro. Dizia ele que Platão e Kant são suas maiores paixão filosófica dizia mais, que: “A republica” e “A critica do juízo” são os dois maiores livros da história da filosofia. Nessa época Daniel passou dias apenas lendo esse dois livros e quando terminou estava encantado. e com uma compreensão genial das obras. Daniel também lia poesia e gostava de comentar entre os amigos. que seus poetas prediletos eram os naturalistas. 
– Se um dia conheci um gênio esse foi Daniel. Enquanto , nós, seus amigos estávamos perdidos nas escolhas básicas da vida, ele já sabia com clareza seu destino. Queria ser médico, aliás, mais que médico. queria ser neurocientista. O cérebro é sua primeira e principal paixão. Aos quinze anos passou no vestibular pra medicina, com dezessete já sabia tudo que tinha que saber, e se dedicou a partir daí só para os estudos neurológicos. O segredo de tudo, inclusive de Deus está guardado no cérebro de todos os seres, inclusive no cérebro de uma galinha. Dizia e ria. A resposta pra tudo estava naquilo que Daniel chamou de “ A porta-Deus ” Depois da graduação fez mestrado, e Já era um neurocientista notório. Fez doutorado e sua tese virou referência mundial sobre o funcionamento profundo do cérebro e o inconsciente. Daniel também trabalhava em projeto que monitorava pessoas em coma. O coma era puro encantamento pra Daniel. O que acontece com a consciência. Será que ela sobrevive em outra realidade, será que ela busca saída, será que há porta para a consciência externa e ela pode ser aberta. Quais segredos o comado desvenda, que caminhos caminha na imensidão do cérebro. Que portas abre na tentativa de fugir da liberdade total. Será que sua infância, seus amores, seus medos. será que nesse incessante e desesperador abrir de portas, e capaz de encontrar a “porta-Deus”. Com essas conjecturas que uni a ciência à religião Daniel ia cada vez se tornado mais cientista e mais místico. Ontem em uma cidadezinha no cu do mundo, lugar muito quente e úmido, como deve ser o fim do mundo Daniel foi falar sobre suas ideias. Brilhante como sempre mostrou que as outras ciências: biologia, medicina, farmacologia etc. não são mais que paliativos. Que a resposta definitiva pra todos os problemas está na investigação profunda sobre os poderes do cérebro, é aí que estão todas as curas, todas as respostas: biológicas, químicas, físicas, metafísicas etc... E acrescentou: É a neurofilosofia quem vai livrar o homem de todos os seus males. Que é essa nova ciência que vai despertar Deus no homem. Que vai abrir a “porta-Deus”. Depois da palestra, como de costume todos foram ao restaurante, almoçaram. Conversaram, fizeram tudo o que o que se faz em um evento desse, Mesmo no cu do mundo é Assim.. Jamais Daniel teve qualquer predisposição a qualquer alimentos, alergia zero. Depois do almoço, minutos depois, Daniel passou mal, teve .....edema de glote. Passou, para desespero de todos, doze minutos sem respirar. Entrou em coma irreversível. A porta da consciência como dizia se fechou atrás dele, e desapareceu. Como conheço bem meu amigo, sei que nesse momento que todos, com razão. estão tristes ele está curioso com a visão de milhares de portas à sua frente. Com milhares de expectativas. Talvez Daniel ache a “porta – Deus” e volte, Ou fique tão encanto com seu mundo das ideias, das essências, de todas as respostas que resolva ficar lá de uma vez por toda. Que seu encantamento pelas intermináveis possibilidades o faça viver eternamente por lá Parte superior do formulário








RÉQUIEM 171
Getúlio, seu pai colocou com J mesmo, depois de uma vida descontrolada, estressada, cheia de cigarros, bebidas e frituras e tudo mais, teve um infarto, passou quase um mês em uma U.T.I. Quando nosso amigo se recuperou, resolveu viver mais um pouquinho, deixou o álcool, o cigarro, as frituras, tudo o que é bom. Resolveu também tomar remédios: ansiolíticos, anticonvulsivo, todos que pudessem acalmá-lo. Quando estava acordado Getúlio ficava bem, quer dizer pateta, a merda era quando dormia, sonhava fumando, bebendo, brigando. Tudo que fazia acordado começou a fazer dormindo, acordava aos berros, o coração saía pela boca. Em um desses sonhos Getúlio teve um infarto.












RÉQUIEM
Amanheceu diferente. Elias acordou bem: Sem aquela sede insaciável, aquela tristeza que parece com cansaço, sem aquela absoluta ausência de Vontade . Abraçou e beijou os filhos, que apesar de crianças andavam tristes. Tristeza que beirava a melancolia. Disse pra esposa que a amava. Disse isso com uma verdade comoventemente incomum. Fez café. Foi à padaria. Distribuiu sorrisos a torto e a direito. Tomou café com as crianças e a esposa. Fazia tempo que isso não acontecia.. Ouviu incessantemente a mesma música. Saiu de casa foi à taberna comprou uma garrafa de cachaça e uma carteira de cigarros. Voltou pra casa e ouviu novamente a musica que marcaria de uma vez por todo aquele dia de ruptura.
– Antes que preparem seus espíritos para uma tragédia, aviso logo: Não é !!, Elias não se mata, nem mata a mulher, nem os filhos. É a história de uma pessoa simples que resolveu mudar pra tentar ser feliz: Pelos filhos, pela esposa, por ele mesmo: pela mãe e irmãos, enfim por todos que o amavam e estavam sofrendo com sua decadência. Era a última garrafa de cachaça, a última carteira de cigarros, aquela música ele nunca mais ouviria. Jurou pra si. É uma música linda, mas faz seu espirito se derramar. Entre um gole e outro de cachaça, um trago e outro de cigarro: Elias cantava, dançava e brincava com as crianças. Elias se despedia com alegria da velha vida. Era radiante, sua filha dançava como em um filme em câmera lenta. Dançava e ria lindamente. Elias olhava e se emocionava. Nunca tinha visto Juliana tão feliz.
– Sem compreender bem o que estava acontecendo ela perguntava: Pai porque o senhor está feliz.? Nem ele sabia realmente dizer, apenas acordou com vontade de ser feliz, de fazer as pessoas que lhe cercavam felizes. Com vontade de cantar, de sorrir e se possível chorar também.
– Parece coisa de quem está adivinhando a morte: Pensava sua esposa. Ela fazia das tripas coração pra parecer feliz, mas, estava imensamente triste, por que sabia que algo iria acontecer. Algo definitivo e ruim. O que ela não sabia era que Elias havia resolvido mudar. Sua vida Infeliz se encerrava ali.










                                   


                                      ***




12/16/2014

PARA UM RETRATO DE CAUBY CRUZ | Ney Ferraz Paiva






Para Um Retrato de Cauby Cruz
Considerações Sobre Um Retrato

Por Ney Ferraz Paiva


C a u b y   C r u z




Este trabalho retoma a poesia de Cauby Cruz, atravessa-a, faz ecoá-la – mas também lida com o embargo e o silêncio em torno dela. O próprio poeta surpreendido e desconfortável na sua mudez. Ofuscado pelos notáveis concorrentes, tão opostos a seu pequeno fracasso. Engessado em seu único livro, abriu-se um programa póstumo para ele. Em todo caso, procuro uma fala outra que daí se desprenda, e consiga tecer (ou destecer) o idioma de dias ainda tomados por tantas derivas artísticas, os anos 1940 e meados de 1950 em Belém. Um período notável prefigurativo de grandes obras literárias: Chove nos Campos de Cachoeira, de Dalcídio Jurandir, 1941, A Linha Imaginária, de Ruy Barata, 1951, O Estranho, de Max Martins, 1952, O Homem e Sua Hora, de Mário Faustino, 1955. Tempo de companheirismos e aproximações, mas também de distanciamentos e rivalidades literárias entre jovens colegas – Ruy Barata, Max Martins, Jurandir Bezerra, Mário Faustino, Benedito Nunes, Alonso Rocha, Cauby Cruz. O liame de uma desconexão. Este o tênue mote deste trabalho, que pretende fazer um perfil biográfico com pitadas de ensaio, no qual se procura questionar as relações tradicionais entre poesia, imagem, fotografia, a partir dos termos críticos presentes no livro Filosofia da Caixa Preta – Ensaios Para uma Futura Filosofia da Fotografia, de Vilém Flusser. Uma espécie de reaparição no espaço de renovadas questões, como se algo se devolvesse, se mostrasse de volta no processo de aproximação e acolhimento entre literatura e fotografia e dos seus imprevisíveis desdobramentos. Um aparte talvez disperso no burburinho – um desvio no desvio, um desnível de fluidez do acontecimento. Mas que acontecimento? Tornar-se alguém que escreve... A paixão de juventude pela poesia... o quanto essa respiração amigável tende a expelir, somados os anos, o estático, estreito, asfixiante – para que se possa ir longe. Para Cauby, o que resultou disso, a única aparência que lhe restou, é a do escritor que passa toda uma vida sem escrever. Então não seria melhor dizer que o que daí se desprende são expectativas e ilusões deslocadas, recambiadas, transferidas? A passagem dos anos 1940-1950 e seus monstros legendários – o pós-guerra, as grandes incertezas existenciais, a crise aguda da modernidade. Há por aí indícios. Rastros. Sortilégios. Todo retorno é sempre um ponto de partida. O presente e o passado nos povoam. Ouçamos as vozes – o que elas não temem, falam, passam de suas cartas terríveis, suas fotografias perigosas... É com elas que pretendo compor um mosaico, sempre díspar, do ambiente simples e rudimentar, árido e ermo; dos tons de uma cultura e de uma época; e do aspecto das sombras que Oswaldo Goeldi extraiu da paisagem, a mesma onde Cauby Cruz viveu e pretendeu desenvolver seu projeto de escrita, e que inapelavelmente sucumbiu. Entre retomada e inacabamento. A obra sem trajetória e sem cronologia, corroída no tempo e no espaço do discurso, e que se coloca a falar de outro modo, a mostrar-se sem se manter o mesmo: viajante incondicional, boêmio, jogador, que escapou cada vez mais de ser poeta. Um contemporâneo que não contemporiza, não apazigua, não é entrega – é resistência, sobretudo aos modelos disponíveis de interpretação. Rompe com a acumulação de valores instrumentais e almeja outra memória – a do irracional, corporal e primitivo.



* Projeto de Ney Ferraz Paiva contemplado pela 13ª edição da Bolsa de Criação, Experimentação, Pesquisa e Divulgação Artística do  IAP | Instituto de Artes do Pará 2014 





* * *























♣ 










OS ELEMENTOS DO VERBO


Quando digo água quero que entendas fogo
a palavra se estende e de ora
um novo entendimento uma nova
forma insuspeitada mas viva além
de viva constantemente transformada.

Dependo não dela porém da aceitação
em ti: o céu é inferno e mais que inferno
é este termo com que luto
o meu pretérito alcança o meu avô
já morto mas  firme em mim, galopando.
E através dele vou, através de seus pastos
e porque digo pasto entenderás que é noite
e o ar me amansa diante de teus passos.

O que fala importa se alcançar tua carne
pois flutuar não serve. E é mister que invadas
e descubras porque foi que hesitei
e hesites comigo, sofras a mesma fome
a mesma água engulas, igual peixe
adores e meus cabelos te cubram.

Então, a primavera que invento poderá ser tua
e teu este mistério este cão
que à noite ladra coisas inteligíveis
e o galo, cujo canto acordará teu homem 

Cauby Cruz  |  Os Elementos do Verbo


















DONATÁRIO


Donatário de terra imersa
procuro meus campos
meu boi que esqueci anos
mergulhado no mesmo gesto invicto
de mastigar, meu cão também
como também meus sapatos.
A terra desapareceu. Aqui ela ficava.
Rio de pedras várias cortava o terreno
mas eu não via as pedras. Amava a posse
de tudo, donatário que fui deste terreno.
Hoje, chão de peixes.


Cauby Cruz  |  Os Elementos do Verbo













 








STOP




Não escondo minha face direita
pressinto porém o golpe
o sangue que correrá.

Desta janela escuto
sua presença. O vento
a mesa o quadro
invocam o pensamento
e o feixe de memórias
que entregarei de volta.

Minuto breve seja
um ai sem dor
mais de espanto que de penas
para que ninguém perceba
prematura. Mais fundo
neste verso antecipado.
Sentado em meu caminho
para a arrancada final
lanço meu braço inútil
tento mudar a ordem
retroceder o acontecimento
aproximando com anunciações:

Coroado entro no reino dos Céus
para amparar meu corpo decaído.

Cauby Cruz  |  Os Elementos do Verbo










                                                         ♣   






Cauby Cruz  |  Os Elementos do Verbo






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11/28/2014

Lançamento de | MIL CENÁRIOS : DELEUZE E A (IN)ATUALIDADE DE FILOSOFIA | Eduardo Pellejero









Eduardo Pellejero






LANÇAMENTO DE “MIL CENÁRIOS | DELEUZE E A (IN)ATUALIDADE DE FILOSOFIA”

DIA 5 DE DEZEMBRO, ÀS 19H.


Conversação Eduardo Pellejero |
Professor Da Universidade Federal Do Rio Grande De Norte (Ufrn)

Local: Galeria Theodoro Braga
Av. Gentil Bittencourt, 650, Térreo - Belém 



INFORMAÇÕES:
(91) 32784578 |

revista.polichinello@gmail.com















11/17/2014

FOTOS DO LANÇAMENTO DA EDIÇÃO DE DEZ ANOS DA REVISTA POLICHINELLO.


REGISTRO DO LANÇAMENTO DA EDIÇÃO DE DEZ ANOS DA REVISTA POLICHINELLO. EVENTO REALIZADO EM SÃO PAULO, DIA 15 DE NOVEMBRO DE 2014, NO HUSSARDOS CLUBE LITERÁRIO. 
FOTOS: DANIEL LIMA

Ana Amália - Chiu Yi Chih - Su Carvalho - Marcelo Ariel - Claudio Willer - Célia Musilli - Élida Lima
Silvana Totora - Joana Egypto - Diogo Cardoso - Alfredo Fressia - Daniel Lopes - Marcia Barbieri -
Roberta Caroni - Sergio Eduardo del Corso - Márcia Tiburi







Willer




Fressia 






Élida Lima



Marcelo Ariel





Diogo Cardoso




Marília Garcia





Leonardo Gandolfi



Márcia Barbieri





Paulo Ortiz




Su Carvalho




Chiu Yi Chih





Márcia Tiburi





Evandro Affonso Ferreira




Ana Amália





Silvana Totora




Élida Lima & Daniel Lins




Célia Musilli





Gabriel Kolyniak




Joana Egypto




Sérgio Eduardo Del Corso






Cena I




Cena II




Cena III




Su Carvalho






Daniel & Élida









Daniel Lopes 





Glauco - Su - Élida




Vanderley Mendonça & Luiz Roberto Guedes 






Élida & Márcia 





Ana Amália - Élida Lima - Márcia Barbieri - Daniel Lopes - Roberta Caroni - Paulo Ortiz  -
Marília Garcia - Leonardo Gandolfi - Alfredo Fresia - Célia Musilli - Chiu Yi Chih
 Evandro Affonso Ferreira - Márcia Tiburi - Marcelo Ariel - Diogo Cardoso
 Joana Egypto - Su Carvalho - Silvana Totora