5/18/2022

«LIÇÕES DE CONTINENTE»

 


«LIÇÕES DE CONTINENTE»


Nilson Oliveira

 

“O poeta não ensina nada: cria e partilha”

Roberto Juarroz

 

 

São linhas subterrâneas aos radares ou às zonas de captura, facetadas na inconstância entre o escrever e o pensar. Por vezes alçando os limiares da poesia, por vezes noutras margens, sempre em movimento de bando, de sete em sete a cada edição, numa revoada dos pequenos afetos, compondo um bloco assimétrico. É nessa atmosfera plural, entre aberturas e reaberturas, que essas escritas edificam seus laços, operando numa circularidade cujo fluxo se expande de forma incessante.

São rasuras, por vezes maquinações, em devida metamorfose, na esfera do trabalho da escrita, numa relação fugidia, baseada em um combate através do qual a persistência culmina em travessia, com atenção aos relevos e desvios, mas também às erosões e fendas no anseio de depreender uma experiência literária.

Tais linhas são experimentações com nuances múltiplas, por conseguinte, de um povo que não cessa de vir e partilhar seus afetos, em reiterado processo de encontros, desencontros e evasão. Sim, essas são escritas que se movem, delineando pequenas cartografias, com amizade pelo que excede os limites do interrompido e do ininterrupto. E neste norte, numa circularidade sem fim, feito animal errante, dobra os extremos de outra terra, no vislumbre de outra, e de outra: com todo furor, nos laços do imprevisível.

E nessa rotação se alastram, por vezes no limite da literatura, indissociáveis de uma força através da qual a experiência do escrever se compraz num regozijo, cujas possibilidades – as mais furtivas – oscilam entre abertura e devir.

 

«LIÇÕES DE CONTINENTE» é um projeto inspirado no «espaço literário» da escritora Maria Lúcia Medeiros (1942-2005), para quem a escrita opera na cadência de um tempo – veloz e múltiplo – através do qual delineia uma arte das superfícies, ou seja, uma arte dos deslocamentos na direção da vida sensível. Ou melhor, das existências mínimas ou dos pequenos acontecimentos. Acontecimentos esses próprios das cenas mais cotidianas, esculpidas num “quarto de hora” ou no (quase) imperceptível. Suas narrativas atravessam a noite, a floresta, tem cheiro de húmus, por vezes de mar. E sem nenhum receio, num passo-além, avançam para o mais escuro da noite. É nessa verve que a autora constitui, ao logo das suas escritas, uma fabulosa experiência literária, que não é senão a do desassossego de uma escrita que se desloca e não cessa de se deslocar, sempre numa “linha de fuga”: “este furor que (...) impele paras as índias. Fantástico navegar (...) neste verão anunciado por luas perfeitas”[1].

É nesse norte que, impulsionado pelos ventos de Maria Lúcia Medeiros, «Lições de Continente» desata seus voos, pelo meio de uma agitada zona de trânsitos, encontros e partidas, em uma investida cujo objetivo é acolher a escrita que vem.

Consistem na publicação de escritas contemporâneas, em pequenas tiragens, sempre num formato heterogêneos, a partir de plaquetes e outros objetos. É organizado por Nilson Oliveira  em parceria com a Lumme Editor.

E teve na sua primeira edição (maio de 2021) Izabela Leal (RJ), Rodrigo Briveira (PA), Ramon Cardeal (PA), Isadora Salazar (PA), Felipe Cruz (PA), Maurício Borba (PA), Maria Lúcia Medeiros (PA)...

Neste novo lançamento (maio 2022) Marina Mariasch (Argentina), Roxana Crisólogo Correa (Peru), Camila Do Valle (MG), Marcílio Caldas Costa (PA), Lígia Dabul (RJ), Edilson Pantoja (PA) Edson Passetti (SP) com desenhos de Francisco dos Santos  



[1] Maria Lúcia Medeiros. Quarto de Horas. p, 61.