6/25/2016

Paulo Plínio Abreu: a persistência da poesia





Colóquio Paulo Plínio Abreu  |  A Persistência da Poesia

3 e 4 de novembro 2016   Belém (PA)










PAULO PLÍNIO ABREU

a persistência da poesia

Nilson Oliveira 


Dia 19 de Junho de 2016 comemora-se 95 anos de Paulo Plínio Abreu. Nascido em Belém, morreu em 1959, aos 38 anos. Sua obra foi publicada postumamente em 1978, pela Universidade Federal do Pará. Em que pese a importância e o vigor da sua poesia, a data é quase imperceptível.

Paulo Plínio pertenceu à geração de Haroldo Maranhão, Mário Faustino e Benedito Nunes, dos quais foi próximo, todavia com um percurso peculiar, moldado pela discrição, fora dos círculos predominantes.

Poeta-ativo, com trânsito refinado pela literatura, traduziu Rilke, Eliot, Gide, colaborou com jornais e revistas, enredou uma poesia densa, intrínseca a um pensamento que soçobra no aberto do mundo: «mundo pressentido e oculto». Pensamento como eco de uma poesia que arfa num movimento entre a extremidade, o vazio e a morte.

Movimento irrevogável contra a determinação, sobretudo temporal; potência de uma escrita-intensiva, a partir da qual os pensamentos pulsam, por dentro e por fora do mundo, numa experiência que não é senão o próprio movimento, tal como diz o poema ‘O barco e o mito’, «rumo ao mais longínquo desconhecido».

Desse universo descortina-se uma poderosa constelação de imagens, povoadas por espectros, os mais arredios e escapadiços («o polichinelo», «a puta do leme», «o comedor fogo», «o filho pródigo», etc.), tão surpreendentes e lisos que a arte da captura não pode refrear.

A obra de Plínio permanece um profuso manancial, possível de experiências, dobras, derivações, agenciamentos; de conexão efetível com matérias várias: arte, literatura, pensamento. Trata-se de uma obra rica, um surpreendente caminho para pensar a poesia.

Portanto, nesses 95 anos do poeta, nada mais oportuno que celebrar o acontecimento, através de um evento (afetos da poesia), confluência entre leitores, entusiastas, pesquisadores, na direção de uma jornada: «viver juntos esse arquipélago chamado Paulo Plínio Abreu».

É a partir dessa conjugação de forças que se atam linhas para o colóquio «Paulo Plínio Abreu: a persistência da poesia». Aposta cujo objetivo é delinear um percurso pela obra do poeta, através de uma abordagem plural – conexões entre literatura, filosofia, artes visuais –, na direção de uma experiência heterogênea, cujo vetor em comum é encontrar, ou seja, «pensar com» a poesia de Paulo Plínio Abreu.

Esse percurso por entre zonas tão distintas é reflexo não apenas da vitalidade da sua poesia, mas também da persistência e relevância para o presente de uma escrita que opera por lampejos e intermitências (através de personagens e paisagens inquietantes), desvelando uma fissura no tecido temporal.

O evento é promovido pela revista Polichinello e ocorrerá no mês de novembro, em Belém, com participação de artistas, poetas, estudiosos e entusiastas da obra de Paulo Plínio Abreu.

A programação será composta de conversações, exposições, projeção de vídeos, performances.  Convidados: Izabela Leal, Ernani Chaves, Ramon Cardeal, Paulo Ponte Souza, Galvanda Galvão, Rogério Tancredo, Dayse Rabelo, Lília Chaves Rodrigo Oliveira, Edilson Pantoja, Mauricio Borba Filho, Luís Heleno Montoril Del Castilo, Jairo Vansiler.



Nilson Oliveira
01/06/2016




Colóquio 
Paulo Plínio Abreu
a persistência 
da poesia


***


programação



Quinta-feira | 03 / 11

18h00 |
Abertura:
LILIA CHAVES
Mediação | Nilson Oliveira

19h00 |
ROGÉRIO A. TANCREDO
«A Literatura e o Mal na poesia de Paulo Plínio Abreu»
Mediação| Ramon Cardeal

19h45|
RODRIGO OLIVEIRA
«Recital» | poemas de Paulo Plínio Abreu

20h |
ERNANI CHAVES
«Alguns aspectos da tradução de "Elegias de Duíno"...»
Mediação| Jairo Vansiler
21h|
LANÇAMENTO (PLAQUETE)

«Poemas |PPA»  edições do prego


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Sexta-feira | 04 /11

18h00|
JAIRO VANSILER
Rilke e Paulo Plínio Abreu
Mediação | Nilson Oliveira

18h45|
RAMON CARDEAL
«Paulo Plínio Abreu:
O personagem cego de um autor ausente»
Mediação | Rogério A. Tancredo

19h30|
EDILSON PANTOJA
«"O barco, o mito, o pássaro e o riso do polichinelo".»
Mediação | Nilson Oliveira

20h15
MAURÍCIO BORBA FILHO & FELIPE CRUZ
«Recital» | poemas de Paulo Plínio Abreu

20h45
IZABELA LEAL & GALVANDA GALVÃO
«Anjos e ruínas em Paulo Plínio Abreu e Rilke»
Mediação | Dayse Barbosa


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CURADORIA

revista.polichinello@gmail.com












6/04/2016

box-poemas :: Alberto Pucheu






boxe poemas

a l b e r t o  p u c h e u







MINHAS AMIZADES DE HOJE
SÃO FEITAS COMO ANTIGAMENTE

Estudantes engravatados tomam chope num botequim
do centro da cidade, ao lado do qual se abre,
imperceptível, uma porta. As pernas que, por ela, sobem as escadas de madeira pela primeira vez não sabem ao certo
o que irão encontrar; algo as move, entretanto,
naquela direção: em certos casos, um excesso, em outros,
uma ausência. Seus freqüentadores se acostumaram
ao fato de que poucos visitantes permanecem entre eles,
e não têm expectativas de que seja diferente. De tão velho,
o corrimão se afasta de quem quer que se apóie nele.
O neófito se recompõe rapidamente. A primeira lição:
para entrar ali, conte apenas com sua própria força,
mais nada. Pois músculos suados se esquentam,
se esbarram, se agridem e se separam
em busca do equilíbrio perfeito entre velocidade,
potência e inteligência dos reflexos. O menor vacilo
custa alguns dentes, um filete de sangue no nariz,
uma dor no fígado, no baço, uma falta de ar... e de siso.
Pouco falam do que pensam ou sentem.
O conhecimento que um tem do outro é passado
pelos poros, pelos suores que se misturam
a cada esquiva mútua em que a lateral de um corpo
se esfrega na mesma lateral malcheirosa do corpo alheio,
pela velocidade dos jabs e dos tapas defensivos
tirando o punho do caminho da face, pela porrada
do explodir da luva nos músculos compactos e protetores.
É dessa maneira que hoje faço meus amigos.






A LUTA ANTES DA LUTA

Você sabe, de nada adianta rezar no canto do ringue.
Aquele que nele sobe, sobe sozinho.
As bravatas lançadas na hora da pesagem
e o peso da multidão colado em sua carne,
você sabe, lá em cima, só aumentarão seu abandono.
Você sabe também o preço que terá de pagar
se deixar que qualquer vagabundo desfigure
sua fisionomia. Mas é isso que você quer?
Não é isso que você quer. Aconteça
o que acontecer, não jogarei a toalha, não é para isso
que chegamos até aqui... Você ainda é muito novo
para perder, e sua família, muito necessitada. Você sabe,
você tem de deixar seu passado para trás, eu sei que você
não quer voltar para as ruas, para o crime, para a cadeia...
Portanto, quando subir lá em cima, eu lhe digo,
não deixe que o adversário veja medo em sua face:
se, ainda antes do primeiro soar do gongo, ele
vislumbrar uma mínima expressão de temor em seu rosto,
conhecerá o caminho mais rápido
para encontrá-lo durante o combate. Mas você
não terá nenhum instante de fraqueza nesse combate,
você está preparado, eu sei que você está preparado,
e você também sabe disso. Ninguém quer acordar amanhã
num quarto de hospital... você quer acordar
num quarto de hospital balbuciando palavras desconexas?
Ein? Você quer acordar num quarto de hospital,
com sua mulher chorando preocupada ao lado da cama?
Não, você não quer isso pra você nem pra sua família,
nem eu quero isso para o meu garoto de ouro. Por isso,
treinamos duro, por isso, treinamos tanto. Então, vá lá
em cima, já estão anunciando seu nome, suba
para o quadrado, suba, já começaram a tocar a música,
vá para o ringue e, no meio do entrevero,
por entre as saraivadas de golpes,
faça seu adversário sentir o peso do esquecimento
carregando-o para longe do estádio, carregando-o
para longe de todo e qualquer lugar.









A VOZ DO SANGUE, O SANGUE DA VOZ

Tanto silêncio no ringue, no ringue
e na fome, tanto burburinho zoando simultaneamente,
que não posso distingui-los. E mesmo antes dos golpes
na cabeça, e mesmo antes de qualquer golpe
revolvendo as entranhas pelo avesso
(antes dos 4.500 quilos por impacto), e, mesmo antes,
tanto silêncio no ringue, no ringue
e na fome, tanto burburinho zoando
simultaneamente, que não posso distingui-los.
O ringue é o ringue, a fome é a fome, mas no ringue
(como na fome, como na fome do ringue, como no ringue
da fome), o silêncio é silêncio e burburinho,
e o burburinho, burburinho e silêncio. Quando,
no canto do amparo – sentado, curativos imediatos,
os segundos trabalhando a meu favor, a respiração em busca de um ponto pacífico –, ouço a voz nítida do treinador
se erguendo do alarido da multidão e de ninguém,
não a escuto como um mandamento: infiel
e pecador, poderia traí-la. Escuto essa voz
desenrolar as últimas ataduras que envolvem o punho
do meu coração, espremê-lo ao sumo,
ao ponto de o gosto do sangue (de o gosto da fome) brotar comprimindo as gengivas por entre os dentes e o protetor,
me dando a certeza de que o próximo soar do gongo
será o último badalo com o qual meu adversário sonhará
antes de beijar a encardida lápide da lona.












SEM MIM, NADA DISSO SERIA POSSÍVEL

Desde o confuso princípio dos ringues,
quando não havia mãos para tocar a delicada espessura
e a cor do mundo era a mesma de um hematoma,
minha própria pele preta, ainda impalpável,
mas querendo extravasar-se como o sangue da vida,
já promovia o poderoso espetáculo: o combate
pela carne do tempo. Quem era eu, então? Um poeta?
Um deus? Uma ausência incansável de limites?
Um capitalista inventando o primeiro dinheiro,
o primeiro estádio (com ingressos pagos)
para o entretenimento de deuses vorazes? Ou apenas
uma força entre outras em busca de aventuras
cada vez maiores! Sim, era isto o que eu era
e o que jamais deixei de ser. Amo a coragem,
a miséria e a precariedade destes homens, com as quais
desenhei alturas para mim, para eles e muitos outros.
Amo até mesmo a inteligência superior que alguns
demonstraram ter... e o instinto de preservação de outros
que, pelo menos, não tentaram me desafiar. E amo
igualmente aqueles que, hoje mortos, se rebelaram
contra o meu poder: também eles fizeram minha fama
e minha fortuna. Trago feridas como todo o mundo,
mas deixo os lutadores se machucarem em meu lugar.






ARRANJO PARA ESSES CAMPEÕES DA PALAVRA

Não posso ser poeta, não sei contar histórias... Se eu fosse um toureiro, faria o público acreditar que eu estava a poucos centímetros da morte, mas manteria minha margem de segurança. Foi o que fiz no ringue. Nós, lutadores, compreendemos as mentiras. O que é uma simulação? O que é pensar uma coisa e fazer outra? Os melhores garotos são aqueles que até podem tomar um murro na cara, mas são inteligentes o bastante para não o querer. Quando soa o gongo, somos apenas duas solidões. Não temos medo de apanhar, mas temos medo de perder. Uma derrota no ringue não se compara a nenhuma outra. Eu combatia com qualquer um. Não me interessava quem eram. Era simplesmente indiferente para mim. Eles me batiam, eu não me importava. Quando estou no ringue, luto pela minha vida. A luta pela sobrevivência é a única luta. Por cinco dólares, eles podiam me golpear no queixo com uma marreta. Quem já ficou dois dias sem comer poderá entender. E comer é um vício difícil de largar. Quando se luta, se luta por uma coisa: dinheiro. Acho que o campeão que eu sou hoje é pela dificuldade que eu passei. Nunca fui nocauteado. Já estive inconsciente, mas sempre de pé. Detesto afirmar isso, mas é verdade: quando começa a doer, é quando eu mais gosto deste negócio. Quando vejo sangue, fico como um touro. Sou um animal selvagem, inimigo declarado de toda a raça humana. Uns dizem que sou arrogante, outros, que preciso de uma boa surra, e outros, que falo muito. Mas eu garanto o que digo. Eu não quero nocautear meu adversário... quero golpeá-lo, me afastar e vê-lo ferido. Quero o seu coração. Ele pode fugir, mas não pode se esconder. Tento acertar na ponta do nariz do meu adversário porque tento lhe enfiar o osso no cérebro. Se abrirem minha careca, vão encontrar uma grande luva de boxe. É tudo o que sou. É disso que vivo. Celebridade? Eu? O pessoal lá de onde venho diz que eu sou um vagabundo sortudo que sabe dar umas porradas. Quando você não é mais o campeão, está sozinho. Alguns ficam insanos, outros começam a beber, pois o boxe é muito intenso, e muita gente se perde. Você agüenta até certo ponto, depois quebra. Tenho tudo de que preciso: o médico mora aí em frente, o farmacêutico trabalha na esquina; daqui, posso ver a câmara-ardente, e o cemitério é logo ali embaixo na rua.



***









Do livro: A FRONTEIRA DESGUARNECIDA
(POESIA REUNIDA 1993-2007 / Azougue Editorial)