Para Bento, Nina & Kiki: sempre por perto
Ode ao gato
João Bosco Maia
Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça vôo.
O gato,
só o gato apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.
Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa
só como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite .
Oh pequeno imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gato, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos do seu gato.
Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica
o gineceu com os seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos têm números de ouro.
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça vôo.
O gato,
só o gato apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.
Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa
só como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite .
Oh pequeno imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gato, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos do seu gato.
Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica
o gineceu com os seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos têm números de ouro.
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Cat - de Andréa Carvalho Gavita |
Notar deles como os dois olhos se acendem no escuro e o jeito como que ondulam invisíveis. Estão sempre perguntando desde sua íris-de-espelhos. O mistério de que nada digam, só perguntem, é o que intriga e faz de um gato, mais que um dicionário novo, uma girafa, muito mais que uma tartaruga no cio.
Wilson Bueno (Manual de zoofilia)
Wilson Bueno (Manual de zoofilia)
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Albert Camus |
O gato dorme a tarde inteira no jardim. Sonha (?) tigres enviesados a chamá-lo para a fraternidade no jardim. Gato sonhando, talvez sonho de homem? Continua dormindo, enquanto ignoro a natureza e o limite do seu sonho e por minha vez também me sonho (inveja) gato no jardim.
Carlos Drummond de Andrade
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Samuel Beckett |
Se digo “é um gato real” que me vê nu, é para assinalar sua insubstituível singularidade. Quando ele responde ao seu nome (seja lá o que queira dizer “responder”, e esta será pois nossa questão), ele não o faz como um exemplar da espécie “gato”, ainda menos de um gênero ou de um reino “animal”. É verdade que eu o identifico como um gato ou uma gata. Porém, antes mesmo dessa identificação, ele vem a mim como este vivente insubstituível que entra um dia no meu espaço, nesse lugar onde ele pôde me encontrar, me ver, e até me ver nu.
Jacques Derrida (O animal que logo sou)
Foucault
O homem gostaria de ser peixe ou pássaro,
a serpente gostaria de ter asas, o cão é um leão confuso...
Mas o gato quer ser somente gato,
e todo gato é um puro gato
desde o bigode ao rabo
a serpente gostaria de ter asas, o cão é um leão confuso...
Mas o gato quer ser somente gato,
e todo gato é um puro gato
desde o bigode ao rabo
Pablo Neruda
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Ezra Pound
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O GATO
Na minha casa desejo ter
Uma mulher que imponha a sua razão
Um gato passeando por entre os livros
E porque sem eles não posso viver
Amigos seja qual for a estação
Na minha casa desejo ter
Uma mulher que imponha a sua razão
Um gato passeando por entre os livros
E porque sem eles não posso viver
Amigos seja qual for a estação
GUILLAUME APOLLINAIRE (Bestiário)
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Jacques Prévert |
“O gato não oferece serviços. Ele se oferece. Claro que ele quer carinho e abrigo. O amor não é de graça. Como todas as criaturas puras, os gatos são pragmáticos.”
William Burroughs (O gato por dentro)
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Truman Capote |
Se eu prefiro os gatos aos cães é porque não existem gatos policiais.
Jean Cocteau
Jean Cocteau
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Georges Perec |
O pêlo do gato para alisar. Limpinho, o quente contato da mão no dorso, corcoveante e nodoso à carícia. O lânguido sono de morfinômano. O marzinho de leite no pires e a língua secreta, ágil. A ninhada de gatos, os vacilantes filhotes de olhos cerrados. O novelo, a bola de papel — o menino e o gato brincando. Gato lúdico. O gatorro, mais felino do que o cachorro é canino. Gato persa, gatochim — o espirro do gato de olhos orientais. Gato de botas, as aristocráticas pantufas do gato. A manha do gato, gatimanha: teve uma gata miolenta em segredo chamada Alemanha.
Otto Lara Resende (Gato gato gato)
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William Burroughs |
Em cima do muro, indiferente aos cacos de vidro, um gato — outro gato, o sempre gato — transportava para a casa vizinha o tédio de um mundo impenetrável.
Otto Lara Resende (Gato gato gato)
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Jack kerouac
|
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
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Hermann Hesse |
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Jean-Paul Sartre |
Nos últimos anos, tornei-me um dedicado amante de gatos, e agora reconheço a criatura claramente como um espírito felino, um Familiar. Sem dúvida compartilha coisas com o gato, e também com outros animais: raposas voadoras, lêmures ai-ais, lêmures-voadores com olhos amarelos enormes que vivem em árvores e são indefesos no chão, lêmures de cauda anelada e os pequeninos lêmures microcebos, martas, guaxinins, minks, lontras, gambás e raposas da areia.”
William Burroughs (O gato por dentro)
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Jean Cocteau |
Ao ver Alice, o Gato só sorriu. Parecia amigável, ela pensou;
ainda assim, tinha garras muito longas e um número enorme
de dentes, de modo que achou que devia tratá-lo com respeito.
ainda assim, tinha garras muito longas e um número enorme
de dentes, de modo que achou que devia tratá-lo com respeito.
“Bichano de Cheshire”, começou, muito tímida, pois não
estava nada certa de que esse nome iria agradá-lo; mas ele só
abriu um pouco mais o sorriso. “Bom, até agora ele está
satisfeito”, pensou e continuou: “Poderia me dizer, por favor,
que caminho devo tomar para ir embora daqui?”
estava nada certa de que esse nome iria agradá-lo; mas ele só
abriu um pouco mais o sorriso. “Bom, até agora ele está
satisfeito”, pensou e continuou: “Poderia me dizer, por favor,
que caminho devo tomar para ir embora daqui?”
“Depende bastante de para onde quer ir”, respondeu o Gato.
“Não me importa muito para onde”, disse Alice.
“Então não importa que caminho tome”, disse o Gato.
“Contanto que eu chegue a algum lugar”, Alice acrescentou à
guisa de explicação.
guisa de explicação.
“Oh, isso certamente você vai conseguir”, afirmou o Gato,
“desde que ande o bastante.”
“desde que ande o bastante.”
Lewis Carrol (Aventuras de Alice no país das maravilhas & Através do espelho)
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John Cage |
É no meu cérebro que se passeia,
Como no seu apartamento,
Um gato doce e atraente.
Mal o consigo ouvir, se mia,
Porque o seu timbre é tão discreto;
Mas a voz, calma ou iracunda,
É sempre rica e bem profunda.
É o seu encanto e o seu segredo.
A voz, que goteja e se infiltra
No meu fundo mais tenebroso,
Enche-me, qual verso copioso,
E satisfaz-me como um filtro.
Adormeço os males cruéis,
Ela contém todos os extâses;
E pra dizer as maiores frases
Não necessita de palavras.
Não, não exista arco que morda
O meu peito, raro instrumento,
E faça majestosamente
Cantar essa vibrante corda,
Como a tua voz, ó misterioso
Gato seráfico, tão estranho,
No qual tudo é, como num anjo,
Tão subtil como harmonioso!
Como no seu apartamento,
Um gato doce e atraente.
Mal o consigo ouvir, se mia,
Porque o seu timbre é tão discreto;
Mas a voz, calma ou iracunda,
É sempre rica e bem profunda.
É o seu encanto e o seu segredo.
A voz, que goteja e se infiltra
No meu fundo mais tenebroso,
Enche-me, qual verso copioso,
E satisfaz-me como um filtro.
Adormeço os males cruéis,
Ela contém todos os extâses;
E pra dizer as maiores frases
Não necessita de palavras.
Não, não exista arco que morda
O meu peito, raro instrumento,
E faça majestosamente
Cantar essa vibrante corda,
Como a tua voz, ó misterioso
Gato seráfico, tão estranho,
No qual tudo é, como num anjo,
Tão subtil como harmonioso!
Charles Baudelaire (1821-1867)
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Ernest Hemingway |
Gatos não morrem: mais preciso - se somem - é dizer que foram rasgar sofás no paraíso e dormirão lá , depois do ônus de sete bem vividas vidas , seus setes merecidos sonos.
Nelson Ascher
Nelson Ascher
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Elizabeth Bishop |
O nome de gato assegura minha vigília
e morde meu pulso distraído
finjo escrever gato, digo: pupilas, focinhos
e patas emergentes. Mas onde repousa
e morde meu pulso distraído
finjo escrever gato, digo: pupilas, focinhos
e patas emergentes. Mas onde repousa
o nome, ataque e fingimento,
estou ameaçada e repetida
e antecipada pela espreita meio adormecida
do gato que riscaste por te preceder e
estou ameaçada e repetida
e antecipada pela espreita meio adormecida
do gato que riscaste por te preceder e
perder em traços a visão contígua
de coisa que surge aos saltos
no tempo, ameaçando de morte
a própria forma ameaçada do desenho
e o gato transcrito que antes era
marca do meu rosto, garra no meu seio.
de coisa que surge aos saltos
no tempo, ameaçando de morte
a própria forma ameaçada do desenho
e o gato transcrito que antes era
marca do meu rosto, garra no meu seio.
Ana Cristina Cesar
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Orides Fontela |
Gato — leu no silêncio da própria boca. Na palavra não cabe o gato, toda a verdade de um gato. Aquele ali, ocioso, lento, emoliente — em cima do muro. As coisas aceitam a incompreensão de um nome que não está cheio delas. Mas bicho, carece nomear direito: como rinoceronte, ou girafa se tivesse mais uma sílaba para caber o pescoço comprido. Girafa, girafa. Gatimonha, gatimanho. Falta um nome completo, felinoso e peludo, ronronante de astúcias adormecidas. O pisa-macio, as duas bandas de um gato. Pezinhos de um lado, pezinhos de outro, leve, bem de leve para não machucar o silêncio de feltro nas mãos enluvadas.
Otto Lara Resende ( Gato gato gato)
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Allen Ginsberg |
O Gato e o Pássaro
Uma cidade escuta desolada
O canto de um pássaro ferido
É o único pássaro da cidade
E foi o único gato da cidade
Que o devorou pela metade
E o pássaro deixa de cantar
E o gato deixa de ronronar
E de lamber o focinho
E a cidade prepara para o pássaro
Funerais maravilhosos
E o gato que foi convidado
Segue o caixãozinho de palha
Em que deitado está o pássaro morto
Levado por uma menina
Que não pára de chorar
Se soubesse que você ia sofrer tanto
Lhe diz o gato
Teria comido ele todinho
E depois teria te dito
Que tinha visto ele voar
Voar até o fim do mundo
Lá onde o longe é tão longe
Que de lá não se volta mais
Você teria sofrido menos
Só tristeza e saudades
Jacques Prévert (O gato e o pássaro)
![]() |
Aldous huxley |
Julio Cortázar (A orientação dos Gatos)
![]() |
Julio Cortázar |
Hermann Hesse
D.H. Auden
Albert Camus lindo com seu gato
ResponderExcluirLindas imagens.
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