«PASOLINI:
O VAZIO DO PODER» DAVI PESSOA
Data:
18 de novembro | 19h
Local:
IPHAN: Av. Gov. José Malcher, 563 – Nazaré | Belém
****
«PASOLINI:
O VAZIO DO PODER»
Pier
Paolo Pasolini, ainda muito jovem, com 7 anos de idade, se declara um “poeta
acadêmico, ao modo de Petrarca”; alguns anos depois, diz que sofreu alguns
traumas, por exemplo, depois das leituras de Rimbaud, Shakespeare, Dostoievski,
Gramsci, Ungaretti e Paul Valéry. Após tal experiência diz que pela primeira
vez em sua vida viu-se como antifascista. Nesse período de sua formação, lê uma
passagem de Valéry citada por Jakobson, que irá ecoar em seu pensamento por
toda a vida: “A poesia é uma hesitação prolongada entre o som e o sentido”, e a
partir dessa proposição surge uma angústia compartilhada por ele durante uma
entrevista a Giuseppe Cardillo, em 1969, em NY, a saber: os poetas simbolistas
fundavam sua poética em dois pontos, a) a poesia é o conteúdo da própria
poesia; b) a poesia tem uma língua que lhe é específica, uma língua que não é
decorativa, nem referencial. Daí, surge-lhe um impasse: como romper com tal
cisão entre o político e o estético? Sua experiência em Friuli irá lhe
proporcionar um trauma social, como ele mesmo declara, visto que ali começa a
entrar em contato com os camponeses que começavam a se manifestar contra o
sistema de produção ainda feudal ao qual estavam submetidos, e ali Pasolini diz
que já estava lendo Marx antes mesmo de sua primeira leitura efetiva de um
texto de Marx, e ali percebe que o dialeto friulano presente em seus poemas não
era um fato puramente realista, não era nem totalmente som, nem totalmente
sentido, era um hiato entre os dois pólos, um terceiro elemento, que punha o
estético e o político em confronto. Tal percepção irá se fazer presente em
todos seus esboços de obra (lembremo-nos de suas aulas com Roberto Longhi), em
suas anotações para seus filmes (África, Palestina, Índia, etc.), sempre como
“retratações” (ao modo de Agostinho, “tratando de novo” – La Divina Mimesis,
Decameron), com o intuito de sabotar o eterno retorno do mesmo, da mesmo
“situação”, como dirá em sua última entrevista a Furio Colombo. Em última
análise, podemos compreender o desaparecimento dos vaga-lumes não como um fim
de experiência (do Mundo, mas de um mundo), mas, antes, como uma abertura de
espaço (caráter destrutivo, Benjamin), de possibilidade de fazer sabotar a
máquina de guerra, pois naquele momento Pasolini já percebia (e é esta uma das
forças que tanto interessa ao filósofo Giorgio Agamben, ao ler a obra de
Pasolini, que se situa sempre em um “antes” e um “depois”), no vazio do Poder
da Itália, de modo muito sagaz (como uma espécie de Sócrates, ao pronunciar sua
parresía, sempre necessária para que a democracia continue a existir), a
antecipação da separação entre economia e política, em favor da primeira, tal
como vemos em nossos tempos. Assim, nosso desafio, hoje, é dar novamente
potência ao poético, ao político, ao gesto do corpo, para que possamos diminuir
o abismo existente entre “populus” e “plebs”, no qual este último é sempre alvo
de eliminação, ou ainda, como nos diz Agamben, em “O que é um povo?”: “Somente
uma política que tiver sabido prestar contas da cisão biopolítica fundamental
do Ocidente poderá deter essa oscilação e colocar um fim na guerra civil que
divide os povos e as cidades da terra.”
***
Davi Pessoa é
professor adjunto de literatura italiana na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ). É doutor em Teoria Literária pela UFSC (com pesquisa em La
Sapienza/Roma), com projeto sobre a questão da escritura em Elsa Morante e em
Macedonio Fernández. É autor de «Terceira
Margem: Testemunha, Tradução» (Editora da Casa, 2008). Atua também como
tradutor de literatura e filosofia italiana. Traduziu «A razão dos outros» e «Ou de
um ou de nenhum» (Lumme Editor, 2009), de Luigi Pirandello, «Georges Bataille: filósofo» (Edufsc,
2010), de Franco Rella e Susanna Mati, «Desgostos»
(Edufsc, 2010) e «Ligação Direta»
(Edufsc, 2011), ambos de Mario Perniola, «A
sinagoga dos iconoclastas», de Juan R. Wilcock (Rocco, 2016), e os livros «Nudez», «O tempo que resta» e «Meios
sem fim» do filósofo italiano Giorgio Agamben (Autêntica, 2014, 2015,
2016), do qual sairá em breve a tradução do livro «Pulcinella ou Divertimento para os jovens em quatro cenas». No
momento, está traduzindo o livro «Petróleo»,
de Pier Paolo Pasolini, para a Editora 34.
Nenhum comentário:
Postar um comentário