1/06/2012

POEMAS de - Louis-René des Forêts

















R

É mais que tempo de voltar ao sol

O fogo do seu álcool purifica o ar

Bebemo-lo em longos tragos para esquecer aquela

Que veio na noite rasgar o coração

Dizer adeus com a mão infantil,

Uma candeia às vezes no ar

Que sopra como não querendo

Mas sem se demorar mais

Nem que a vejamos desaparecer.




É ela ainda sorrindo de pé

Por entre os ásteres e as rosas

Na plena luz da sua graça

Orgulhosa como sempre foi

Só se deixa ver em sonhos

Demasiado bela para adormecer a dor

Com tantos falsos regressos

Que atestam a sua ausência.





Não, ela está mesmo ali,

Que importa se o sono nos engana

É preciso queimar os olhos,

Aguentar este doce sofrimento,

Abalar, perder a razão,

Destruir o que viria a destruir

A aparição maravilhosa

Acolhida como quem treme

À vista de um rosto apanhado na morte

No último brilho da sua flor.





Está ali para velar por nós

Que só dormimos para vê-la

Quando por vergonha, com medo das nossas lágrimas

De dia só sonhamos em fugir lá para fora

Sem deixar de espreitar também ali o seu regresso

E é em busca de um mau refúgio

Embrutecer sob o sol que queima.





Fingir ignorar as leis da natureza,

Reencarnar em sonhos a forma abolida,

Atribuir à miragem as virtudes de um milagre

Será isto vencer a morte?

Quando muito duvidar de que ela nos separa,

De que seja um facto o facto de não estar em parte alguma.




Quebra irreparável. Dela tomemos nota.

Eis-nos desolados ao longo da vida,

A nossa memória aberta como um ferimento,

É nela que a veremos ainda,

Mas cativa da sua imagem, mas reclusa

Nesta obscuridade devoradora

Onde, para ligar o seu infortúnio ao nosso,

Sonhavamos ir perder-nos juntos

De amarras todas cortadas, e talvez alegres

Fora a soleira menos difícil de transpor,

Ser um só com ela na morte

Escolhida como a forma perfeita do silêncio.





A unir-se ao nada, o nada gera nada.

Se é preciso viver desperto para as coisas vivas,

Antes temer que a mágoa se apague

Assim como a memória enfraquece por fim

Deixar de sofrer por deixar de vê-la

Vir ter conosco na noite favorável aos encontros

Seria como deixar o coração empobrecer

Por duas vezes devastado e deserto.





A sentença que pesa, uma vez que liberta,

Que se aplica aos melhores como aos piores,

Mesmo que a aplicação se faça lenta,

Deve inclinar à paz os nossos espíritos

Cuidadosos em resolver-se sem perder direitos,

Sendo qualquer queixa ato de contrição

Para os traficantes que especulam sobre o medo

Do qual dirão que foi uma graça do céu

Ó impostura dos tiranos da infância!

Nenhum desafio, mas que um porte altivo lhes estrague

No momento de abordar a prova suprema

As manhas com que querem dispor do nosso fim.





Retira-te sabiamente do mesmo modo que abandona o palco

Um velho ator já sem crédito. É esta a lei,

Tens de te submeter, dizer adeus ao que deixas,

Penetrar com passo firme nessa espessura obscura

Para onde é coisa estranha o ter de voltar.

Não te insurjas, não te aflijas com a tua sorte,

Não tremas de angústia perante o limiar

Que estás em vias de tão mal transpor,

Aproxima-te do não ser sem compaixão para contigo

E como homem de boa fé, saúda-a esta vida

Que perdes com a sua carga de penas e desejos,

O cenário demasiado belo para o pouco tempo que ali se representa

A esbracejar em cima do palco, a esbanjar palavras inúteis

Tal e qual um cabotino a quem o cair do pano cala o bico.





Aqui o atrativo e o pavor vão de mãos dadas.

Como por causa do seu igual poder

Nenhum dos dois supera o outro,

A não ser que vejamos claro até ao desenlace

Saberemos nós quem ganha no final?





O erro, dar ouvidos aos convites sonsos

De um inimigo que finge querer curar e nos mata.

O lobo encolhido na parte mais estreita do covil,

Velho lobo, enquanto tem forças para se defender,

Avança e recua mostrando os dentes.





Haverá pior maneira de aliviar os desgostos

Que perder o desejo de desejar o que passa?

Para quê tanta pressa em desprender-se,

Fechar os olhos aos bens oferecidos e visíveis,

A tudo o que a alegria do sol deita

Sobre o mar, as folhas, um resto desconhecido

Que se cruza no fervor do seu tempo jovem?

É como dar-se por vencido antes da partida

Em vez de jogar abertamente cartas na mesa

Até à última, e rir de ter perdido.


********

Sobre os poemas de Louis-René des Forêts

Por Maurice Blanchot

Contentar-me-ei (palavra desde já inadmissível pelo que sugere de satisfação) com procurar ouvir de perto o texto de Lyotard intitulado «O sobrevivente», e ao mesmo tempo ir meditando sobre os poemas publicados e assinados por Louis-René des Forêts.

Onde fica o começo? Será alguém ou algo que começa?

Temos a resposta de Hegel: a morte é a vida do espírito. «O espírito não sobrevive à morte, ele é o render[1] da vida imediata…o espírito vive enquanto morto para a instância que ele mesmo FOI… A formação anterior já não está viva.» Donde resulta, e é muito importante, que: «A entidade que fui já não pode dizer eu». «Eu» já só pode dizer-se ENTÃO, na terceira pessoa. É assim que Hegel chega a «nós» (nós, quer dizer eu então e eu agora). Desta feita, nada se perde. A morte é sempre uma bela morte, pois que «retida» neste «nós» que formam em conjunto o eu então e o eu agora.

Mas será que verdadeiramente nada se perdeu? O que necessariamente se perdeu foi a presença «viva» ENTÃO do que AGORA é. A contingência está perdida, e podemos duvidar da presença do «então». E o próprio tempo, que se reduz ao render de um modo por outro modo, está perdido. Certamente que o voo da coruja significa um começo que garante a sobrevivência do todo, a transmissão do todo, excepto o «vivo» e aquilo que foi então presença tornada ausência ou que sempre foi ausência. Não podemos escapar à tristeza da coruja, tristeza que o próprio Hegel foi o primeiro a sentir e da qual fez o seu luto. Mas será possível o luto? Por culpa ou graças a Hegel, pressentimos que aquilo que no presente parece tão vivo precisou necessariamente do já morto. A isto chama Lyotard melancolia e outros chamam «niilismo».

Mas se o começo não é o fim, se pensamos o nascimento como uma morte, e a morte como um nascimento sem «verdade», porque razão há um duplo não-ser? Porque não-ser como nascimento e não-ser como morte?

É um enigma, e o enigma do começo revela que HÁ uma relação com o que não tem relação. Nascimento que não é só melancolia, mas infinitamente mais doloroso do que a morte.


***

4 comentários:

  1. estes fragmentos estão entre os mais belos que já li não só nos últimos anos, mas na vida. parabéns por nos proporcionarem!

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  2. que maravilha de postagem - não conhecia. muito obrigada!

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  3. Veja que coincidência, estou justamente lendo uma voz vinda de outro lugar, do Blanchot. E estava curioso para conhecer poemas como este que vc postou. Abço.

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  4. Anônimo07:45

    O bom dos "fragmentos" é que ainda ficam nacos pra se recolher, coisa de memória mesmo, ou sonho. Estes são belos e cheios de imagens sonoras. Valeu!!

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