7/23/2012

Os seis minutos mais belos da história do cinema





Sancho Pança entra num cinema de uma cidade do interior. Está procurando Dom Quixote e o encontra sentado isolado, fixando o telão. A sala está quase cheia, a galeria — que é uma espécie de “galinheiro” — está inteiramente ocupada por crianças barulhentas. Após algumas tentativas de chegar a D. Quixote, Sancho senta-se de má vontade na platéia, ao lado de uma menina (Dulcinéia?), que lhe oferece um lambe-lambe. A projeção começou, é um filme de época; sobre o telão correm cavaleiros armados, e num certo momento aparece uma mulher em perigo. De repente, Dom Quixote se ergue de pé, desembainha a espada, se precipita contra o telão e os seus golpes começam a cortar o tecido. No telão aparecem ainda a mulher e os cavaleiros, mas o corte negro aberto pela espada de Dom Quixote se alarga cada vez mais, devorando implacavelmente as imagens. No fim, quase nada sobra do telão, vendo-se apenas a estrutura de madeira que o sustentava. O público indignado abandona a sala, mas no “galinheiro” as crianças não param de encorajar fanaticamente Dom Quixote. Só a menina da plateia o fixa com reprovação.


O que devemos fazer com as nossas imaginações? Amá-las, acreditar nelas, a tal ponto de as devermos destruir, falsificar (este é, talvez, o sentido do cinema de Orson Welles). Mas quando no final se revelam vazias insatisfeitas, quando mostram o nada de que são feitas, só então podemos descontar o preço da sua verdade, compreender que Dulcinéia —que salvamos — não pode nos amar.

Giorgio Agamben | Profanações - Editora Boitempo - 2007, p 81.













Um comentário:

  1. O que fazer com o pensamento/imaginação que beira o precipício? Deixá-lo saltar!

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