Sancho
Pança entra num cinema de uma cidade do interior. Está procurando Dom Quixote e
o encontra sentado isolado, fixando o telão. A sala está quase cheia, a galeria
— que é uma espécie de “galinheiro” — está inteiramente ocupada por crianças
barulhentas. Após algumas tentativas de chegar a D. Quixote, Sancho senta-se de
má vontade na platéia, ao lado de uma menina (Dulcinéia?), que lhe oferece um
lambe-lambe. A projeção começou, é um filme de época; sobre o telão correm
cavaleiros armados, e num certo momento aparece uma mulher em perigo. De
repente, Dom Quixote se ergue de pé, desembainha a espada, se precipita contra
o telão e os seus golpes começam a cortar o tecido. No telão aparecem ainda a
mulher e os cavaleiros, mas o corte negro aberto pela espada de Dom Quixote se
alarga cada vez mais, devorando implacavelmente as imagens. No fim, quase nada
sobra do telão, vendo-se apenas a estrutura de madeira que o sustentava. O
público indignado abandona a sala, mas no “galinheiro” as crianças não param de
encorajar fanaticamente Dom Quixote. Só a menina da plateia o fixa com
reprovação.
Giorgio
Agamben | Profanações - Editora Boitempo - 2007, p 81.
O que fazer com o pensamento/imaginação que beira o precipício? Deixá-lo saltar!
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