Philippe Lacoue-Labarthe |
Jean-Luc Nancy |
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Cada vez mais com ele. Seduzido por sua irresistível maneira de
embaralhar as coisas dadas – sempre em fuga da banalidade – na direção do
outro do mundo. Jean-Luc Nancy: uma vivência fértil de estrangereidades –
desdobrada em vários perceptos e afectos: esfera errante do pensamento. Nancy: vontade de vontade – irrevogavelmente escafandrista, estrangeiro, intruso.
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Há por certo uma elegância no pensamento, situação limite,
adjeção entre literatura, filosofia [e algo mais]. Pensamento a deriva [barco
ébrio], na direção do fundo mais
fundo do horizonte. Philippe Lacoue-Labarthe: da sua escrita espira um aroma absolutamente próprio,
depurado pelo aberto, ou melhor, refinado pelas forças que jogam entre as ondas
e o vento. Lacoue: núpcias do pensamento.
Nilson Oliveira
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FILOSOFIA, LITERATURA: DEMANDA
JEAN-LUC NANCY
Cada uma pede a verdade. Cada uma pede também a verdade da outra, de duas
maneiras: cada uma interroga a outra sobre a sua verdade, cada uma detém a
verdade da outra.
A verdade:
a coisa mesma, o ser ou o outro, o existente, o aparecer, o sentido. Cada uma
pede tudo isso junto: pede que tudo isso seja apresentado como tal.
Mas cada
uma entende diferentemente esse « como tal ». Filosofia quer que a
coisa como coisa seja coisa que por si se indique, se designe e ao
mesmo tempo retire seu ser-coisa aquém de toda significação. Também a coisa
como tal é aqui coisa alguma: coisa da coisidade de todas as coisas, nada. Do
mesmo modo o sentido como tal é o sentido que se faz conhecer enquanto sentido
– por exemplo, não uma impressão luminosa, mas uma impressão tal que ela se
clareie a si mesma como « impressão luminosa ». E, por esse ato, ela
se obscurece. Não estamos mais ocupados em ver, mas em ver a visão. O sentido
em geral será sentido verdadeiro lá onde ele poderá mostrar que ele é o
sentido, e assim cessar de reenviar a outro, outros: o que, no entanto, é o seu
ser mesmo de sentido. Também a verdade é aqui interrupção do sentido.
Literatura
entende « como tal » enquanto comparação, figura, imagem, volta de
apresentação. Por exemplo: vejamos um homem como « Leopold Bloom ».
Ele é igual a esse homem, é composto por seus traços. E, antes de tudo, por seu
nome. Depois por sua história, pois não há nome sem história. Então Leopold
Bloom mostra o homem como tal, quer dizer, como Leopold Bloom, quer dizer, como
o homem que tem um nome e uma história, a sua história. Nessa conta, a operação
não pode parar: a verdade do homem está em Bloom, cuja verdade está no homem
cuja verdade está no nome e na história de Bloom. Aqui a verdade é a
impossibilidade de interromper o sentido.
No entanto,
é o inverso que vemos da maneira mais chocante: Filosofia não termina de
prosseguir, continuar, retomar, tirar as consequências; não pode jamais parar
(mesmo e, sobretudo, quando é « o fim da filosofia »). Literatura, ao
contrário, interrompe: corta o relato [récit] em alguma parte, sempre
arbitrariamente, seja no início ou no fim.
Filosofia
pede incessantemente que a verdade se cumpra. Literatura pede que a verdade
prossiga. Mas cada uma pede a outra, pois o cumprimento da primeira seria o
relato [récit] integral da segunda e o prosseguimento infinito da segunda seria
o cumprimento da primeira.
Se isso tem
lugar, não há mais pedido. Então não se fala de literatura e de filosofia:
fala-se de sabedoria e de mito. É um outro mundo, um mundo ao inverso do mundo
do pedido de verdade.
Sabedoria
cumpre dizendo – por exemplo, dizendo « faça isto, não faça isso ». E
para isso ela afirma e ordena, não pede nada. Nem mesmo ser reconhecida como
sábia, pois ela também diz « não creia que a Sabedoria seja sábia: cabe a
você sê-lo ».
Mito dá o
relato [récit] inteiro, desde o início até a mim (por exemplo, Mr. Bloom). Ao
mesmo tempo não há nada a acrescentar, nem no antes nem no depois, e o relato
[récit] é interminável pois ele não cessa de se recitar [réciter]. Nada a
pedir aí também.
Filosofia e
Literatura são Sabedoria e Mitos entrados em pedido. Portanto, tendo-se eles
mesmos se perdido um e o outro ou então perdido um ao outro. Uma perda – ou
então um desdobramento.
Sabedoria
desdobra até o fim a sua verdade segundo a qual não há de modo algum nem
sabedoria nem via. Ela inaugura a via que não leva a lugar nenhum, mas que
sempre se pede novamente como via: « método ».
Mito
desdobra até o fim o interminável de seu relato [récit] e sua verdade
segundo a qual, bem longe de se terminar na interminável recitação, ele se
intermina na terminação de cada relato [récit]. Uma vez contada, a história de
Ulisses se abre novamente pelo seu fim. Haverá novas errâncias.
Errância e
método, método de errância, errância metódica, via que não é traçada, mas que é
o traço ele mesmo de um passo em movimento de avançar, em movimento de passar,
apenas em movimento de despertar para si mesmo a possibilidade de uma direção,
de um destino, de um desejo.
Apenas
fazendo conhecer seu desejo, que ele mesmo se inventa a cada passo, sendo, no
entanto, apenas o desejo do passo ele mesmo.
Pedido de
passagem: eu gostaria de ir por aí, em direção àquilo que está do outro lado
daquele onde me encontro. Gostaria de sair daqui e que lá longe se tornasse
aqui para mim, de onde eu ainda partiria. Gostaria de passar o rio, a montanha,
o mar. Gostaria de passar a mim mesmo. Gostaria de me passar sem mim.
Peço isso
polidamente, sem violência, mas não se enganem com isso: « eu
gostaria » significa « eu quero », é a vontade mesma. É vontade
de vontade: pedido de eternidade, eterno retorno do mesmo passo cujo rastro
fugaz é a atestação disto: que há lá alguém que passa.
Pedimos
apenas isso. Esqueçamos « filosofia, literatura, mito, sabedoria »,
esqueçamos saberes e crenças. Há apenas esse pedido: eu quero passar. Não quero
ser, nem conhecer, mas passar e me sentir passar. Ou você – é
igual.
Passar – o limite, forçosamente. Passar o limite do interrompido e do
ininterrupto. Nem acabamento, nem inacabamento. Nem conclusão, nem suspensão.
Mas a passagem que se pede.
P. S.: Preciso
deixar aqui todo o meu reconhecimento a Ginette Michaud, que assegurou o
estabelecimento dos textos franceses e a composição mesma do volume com um
cuidado incomparável.
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