CARTA ABERTA EM RESPOSTA AO MINISTRO LUÍS ROBERTO
BARROSO
por Davi Pessoa
RJ | 26 de janeiro de 2017
__________________________________________________________________________________
A UERJ não se tornará Torre de Marfim
Hannah Arendt destaca no ensaio "A crise na
educação" o quanto é tentador considerar a crise na educação como um
fenômeno local e sem conexão com as questões principais do século XX. No
entanto, como sabemos, a crise na educação é um problema político, ou melhor, é
a forma de política mercantilista-tecnicista que se estende por muitos países
do mundo que deflagra a crise na educação. Arendt diz, num determinado momento,
que "há sempre a tentação de crer que estamos tratando de problemas específicos
confinados a fronteiras históricas e nacionais, importantes somente para os
imediatamente afetados". Crença tão falsa quanto necessária para os que se
alimentam com seus mecanismos fraudulentos produtores de crises educacionais.
No Brasil, por exemplo: desvio de recursos de merenda escolar; livros comprados
super faturados e jogados em aterros; escolas construídas que se tornam ruínas,
e por aí vai.
E como nossa crise vem sempre a reboque de outros
modelos que se propuseram ideais e que entraram em crise há pelo menos mais de
uma década, certos propagandistas desse sistema nefasto defendem certas
políticas para a salvação da educação como se fossem novidades benéficas, visto
que o Estado, que deveria oferecer educação pública de qualidade a todos, vira
as costas à educação e lucra muita grana com a crise que ele mesmo deflagra.
Assim, surgem os defensores dos modelos de financiamento privado para
Universidades públicas, como é o caso do Ministro Luís Roberto Barroso. A quais
interesses responde sua defesa?
Barroso deve ter assistido ao documentário "Torre
de Marfim", de Andrew Rossi, o qual trata da mercantilização do ensino
superior nos EUA, cujas consequências são catastróficas, visto que essa
mercantilização produz um processo de endividamento colossal por parte de
estudantes que não conseguem pagar o crédito estudantil. E tal processo tem
gerado uma profunda crise educacional e econômica no país (obviamente, não para
os "homens de bem" que defendem e investem nas bolsas de valor da
mercantilização do ensino "público"). E sabemos: a maior parte dos
cursos de graduação dos EUA é de péssima qualidade.
A UERJ, portanto, caro Barroso - leia-se UERJ:
professores, estudantes e funcionários -, não entra nessa lógica perversa, pois
nosso objetivo - e este deveria ser também o seu, já que se diz professor
titular da UERJ, desde 1995, inclusive tendo feito seu doutorado na instituição
- é desfazer tal lógica de desmantelo da educação e de desejos de tantas
pessoas. Nesse sentido, a luta que travamos agora é contra essa mesma Torre de
Marfim que querem erguer não apenas no Rio, não apenas no Brasil, mas em vários
lugares do mundo.
O senhor deve lembrar-se desse belíssimo texto da
Arendt, deve lembrar-se de suas intervenções públicas em prol dos direitos
humanos, sim? Pois bem, caso não se lembre, leia com atenção a reflexão dessa
grande pensadora: "A função da escola é ensinar às crianças como o mundo
é, e não instruí-las na arte de viver. Dado que o mundo é velho, sempre mais
que elas mesmas, a aprendizagem volta-se inevitavelmente para o passado, não
importa o quanto a vida seja transcorrida no presente."
E ainda: "A educação é o ponto em que decidimos se
amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal
gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda
dos novos e dos jovens."
Bonito, não é? Recomendo-lhe a leitura de todo o texto.
Portanto, caro Barroso, nós - professores, alunos e
funcionários da UERJ - não iremos nos abandonar, não iremos abandonar a UERJ,
pois vir ao mundo, seja ele novo, velho, ou provisório, já é o maior dos
abandonos. E estamos muito unidos diante de tal abandono.
Nenhum comentário:
Postar um comentário