9/01/2011

DERIVAS de LuciaVignoli - por Roberto Corrêa dos Santos




DERIVAS,
                          de LuciaVignoli
: Nervuras do Liso
             

por Roberto Corrêa dos Santos

Em algum instante de Grande sertão: veredas – obra do pensante escritor brasileiro Guimarães Rosa –, o narrador Riobaldo afirma que o difícil, o efetivamente difícil, é atravessar o liso.  O liso, naquela escritura, encontra-se entretecido no cerne do estriado do sertão – espaço feito de processos que se interligam por ordens de forças sociais e políticas a funcionarem muitas vezes como estacas duras frente ao liso existir que terá de dar-se à prova, indicando que diferidos fluxos são possíveis em toda parte, mesmo diante do adverso.Gilles Deleuze, o filósofo francês, do alto de sua alta modernidade, iluminando de lá o contemporâneo a-vir (aqui e ali já vindo), distingue, a seu modo (por articulações cruzadas e ficcionantes), o fator-extremo a unir e a separar o liso do estirado. O estirado liga-se ponto a ponto, tece-se como organismos vivos e históricos; o liso envolve o descontínuo e diz sim aos trajetos e às derivas: sim ao perder-se, sim às linhas de fuga. A obra artística de Lucia Vignoli agita-se nessas nervuras do liso, nessas granulagens dos lugares. Expõem da vida seus fios e tramas (os passos da artista deixa pegadas nas coisas de arte feitas) e, ao mesmo tempo, indica o como perserguir o liso, acolher os trajetos que esse, o liso, lhe oferece em suas andanças. Mãos e pés operam com o liso.Caminha Lucia com câmeras colhendo horizontes, traços de horizontes: e produz uma planaridade horizontalizante tão nossa, tão Brasil: do mar de Lucia não se espera a grande conquista (não há nostalgia alguma); nele, pode-se  ir por-sobre, como se – e assim entendemos no Brasil o mar (e tudo) – terreno, terreno nosso.O aparente despretender da arte de Lucia vem dos cálculos suaves da sensação – trata, focalizando espaços, de fazer sobressaírem afetos e subjetividades novos e afirmadores. Uma felicidade contemporânea espalha-se. Sua obra ocupa o espaço liso, mas com grãos, sim, com grãos, grãos e curvas, pois o liso é vasto e, como escrevera Deleuze, nele se encontram ‘as intensidades, os ventos e os ruídos, as forças e as qualidades tácteis e sonoras’: da cidade, da rua, do oceano, do fora.

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