Giselda Leirner |
Henri Michaux |
Giselda Leirner |
*
Ele não é um objeto, não é um
gênero, não faz obra. (A vontade
fragmentária de Friedrich Schlegel é a vontade mesma da Obra, não voltemos a
isso. Mas aquilo que Blanchot nomeia de a exigência
fragmentária excede a obra, porque isso excede a vontade.)
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Fragmento: o texto é frágil. Ele nada
mais é que isso [ça]. Isso quebra, isso não quebra. No mesmo lugar. Onde? Em
alguma parte, sempre em alguma parte, uma parte inassinalável, incalculável.
*
Está-se, portanto, errado em escrever
em fragmentos sobre o fragmento (isso vale também para Blanchot). Mas que fazer
de diferente? Escrever sobre uma coisa totalmente outra – ou sobre nada – e deixar
se fragmentar.
*
« Isso vale também para Blanchot »:
no entanto, foi a publicação de A Escrita
do desastre, em julho de 1980, na nrf
[Nouvelle revue française], que veio interromper, aqui, a redação de um
texto totalmente outro, e aquilo que eu poderia agora, tendo-o abandonado,
chamar de uma dialética suplementar do fragmento. A exigência de Blanchot era o
seu guia. O texto de Blanchot o interrompeu. Eu o cito:
O fragmento, enquanto fragmentos,
tende a dissolver a totalidade que ele supõe e que ele carrega rumo à
dissolução de onde ele não se forma (propriamente falando), à qual ele se expõe
para, desaparecendo, e, com ele, toda identidade, se manter como energia de
desaparecer […]
*
Uma dialética suplementar do
fragmento estava, portanto, lá também em obra. Talvez não seja equivocado nomeá-la
uma dialética negativa, e não se buscarão com erro secretas correspondências
entre Blanchot e Adorno. Mas isso quer assim mesmo dizer que a dialética – o
discurso – é indestrutível. Noli me
frangere, ela ordena em todo texto, e no texto fragmentário também, e no
discurso em fragmentos sobre o fragmento. Não me quebres, não me fragmentes.
*
Não é somente o efeito de uma
vontade de se proteger. Não mais do que o Noli
me tangere da Escritura. Não me toques, diz o Cristo ressuscitado, porque
tu não o poderias, porque tu não saberias aquilo que tu tocas, e porque tu
crerias sabê-lo. Tu não podes nada saber nem nada querer daquilo a que se dá o
nome de um corpo glorioso.
Não podemos, sobretudo, acreditar
que pudéssemos saber fragmentar. Que pudéssemos conhecer nisso em fragmentos. E
que pudéssemos fragmentar. Ninguém fragmenta, senão talvez esse Noli me frangere que toda escritura
pronuncia: não me fragmentes, não queiras me fragmentar – isso se fragmenta e isso
me fragmenta bastante, não está à medida de tua decisão.
*
Tudo isso está escrito na escritura
fragmentária de Blanchot. Não há nada a acrescentar, nada a cortar. Nada a
dialetizar, nada a fragmentar. Sobretudo, não cair na armadilha dupla da sobredialetização
e da sobrefragmentação. Blanchot suporta até o extenuamento – até não mais
suportá-la – a exigência arriscada de escrever justamente entre essas duas armadilhas gêmeas. Assim, sua escrita
também (e não somente seu discurso) declara: Noli me frangere. Não quebres minha insistência e meu murmúrio. Tu
não tocarias mais no fragmento: ele já precedeu teu gesto e o meu, e os seguirá
sempre.
*
Não fales, não escrevas do fragmento.
Ou tão pouco.
*
Para terminar, é o fragmento (os
fragmentos, a exigência fragmentária) que diz Noli me frangere. Não preservando por aí nenhum átomo puro,
nenhuma obra indivisível – mas sem relação, bem simplesmente, com nenhuma operação,
em nenhum sentido. O fragmento é indestrutível, quer dizer, a destruição é
assegurada, e essa segurança não é uma segurança – em todo caso não é uma
segurança por nenhum saber, por nenhum sujeito.
*
Alguém escreve, alguém lê, alguns
falam, isso toma forma, isso faz sentido, isso se acaba em obra ou em fragmentos;
em obra quer dizer em fragmentos. Por esse ato, é indestrutível: uma
conversação tanto quanto um poema. O que é indestrutível é a fragilidade mesma, mais miúda, mais
tremente, mais insustentável que qualquer fragmentação. A fragilidade que há no
tomar a palavra ou no escrever. No abrir a boca, no traçar uma palavra. Está
aí, é então que isso se quebra – em nenhuma parte alhures, em nenhum outro
tempo. A fragilidade de um corpo glorioso (nem transcendente nem imanente, nem
teu nem meu, nem corpo nem alma) quebra uma garganta ou uma mão. Eleva-se uma
palavra, um discurso, um canto, uma escritura. O corpo glorioso não cessará de
neles repetir essa ordem tão frágil como uma imploração: Noli me frangere.
Jean Luc Nancy
Imagens de Giselda Leirner - http://www.giseldaleirner.com/site02.htm
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