Edson Passetti
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Fala do anarquista e pesquisador do nu-sol «Edson Passetti» durante a entrega da Medalha Chico Mendes. OAB-RJ. 03 de abril de 2017
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A transgressão não pode ser conhecida. Quando ela é
conhecida não passa de ajuste legal ou normativo. É preciso enfrentar o risco
de morte a permanecer obediente. Estou, aqui, ao lado de vivos e mortos que
marcam suas revoltas inscritas na presença de Chico Mendes.
Por convenções, o professor e o pesquisador se fazem
segundo princípios rígidos que governam suas condutas. Eles os dispõem em uma
comunidade que reconhece seus escritos, vínculos e produção ajustados ao que se
acordoucomo real e hegemônico.
Mas, ainda bem, esse núcleo sólido pode e deve ser
perfurado, produzindo fissuras em ambos os lados. Para mim, o professor não se
instala na instrução competente aos alunos, mas é quem faz do saber e da
produção das verdades um feixe irradiador aos estudantesdos desconcertos
capazes de atiçar querer saber, fazer, revolver e se revolver.
O pesquisador não está dissociado do professor. Ele
deve recusar os benefícios de poder, e se instalar onde estão os dejetos
humanos e suas maneiras de viver em uma sociedade que não os suporta. Estes
insuportáveis, inclassificáveis (muitas vezes tidos como desclassificados) não
dão sossego aos equacionamentos sócio-políticos e culturais supostamente
pacificadores. Diferente do intelectual e suas profecias racionais-históricas,
o pesquisador permanece dentro das lutas, não se contenta com a retórica
democrática.
Interessam-me não só os jovens pauperizados tomados
como objetos de investimento de governos que os determinam como infratores,
delinquentes, perigosos. Mas, jovens que querem viver e que atiçam com suas
atitudes o fogo da revolta.
Recusam estar incluídos em programas e políticas
revestidas de humanitarismos que pretendem pacificar suas existências tidas
como desviantes, psicopatas, vândalas, carências das quais se serve a empresa,
o sistema assistencial, educacional e penal como mote para suas perpetuações.
Onde há prisão, há o medo do povo. Por isso é
inadmissível engolir o discurso bio-psico-social-cultural ressocializante do
Estado, do seu sistema penal, de suas filantropias e dos humanistas
juramentados em organizações ou sob o manto das ciências e do Estado. Não é
possível consolidar uma juventude livre governada sob a ameaça da prisão,
inaceitável aos humanos livres, e a direitos humanos que nenhuma declaração universal
contempla. A prisão é uma tecnologia de governo que funde o legal aos
ilegalismos consentidos e que está sempre aberta a aperfeiçoamentos das
sujeições entre os súditos, tomados como cidadãos que cumprem deveres. Pelo
menos, hoje em dia, e entre nós, poderíamos concluir que a prisão para jovens é
inadmissível.
Nossa cultura com base no castigo e na punição é
escandalosamente contra outros povos que devem ser subordinados ou simplesmente
extintos. Ainda estamos sob o regime da naturalização do rei, da lei e de Deus.
Mata-se e prende-se em nome da democracia vigente, daquelaa ser construída a
partir de golpes, como vivemos no Brasil... mas não esqueçamos que a polícia é
o cotidiano golpe de Estado sobre nós. Ela mata, recruta seus funcionários no
exército de reserva de poder, entre os chamados desclassificáveis ou
assujeitadosconformistas, incrementando a guerra entre os governados. O fluxo é
contínuo e macabro: perpetuar a guerra entre os sujeitados. Porém, de tempos em
tempos acontece a revolta.
Os anarquistas não lutam somente contra a propriedade
e o Estado. Eles não lutam contra ideias e fazem acontecer sua força de
liberdade a qualquer momento. Lutam, antes de tudo, contra a sociedade.
Revolvem e abolem os costumes fundados no castigo, produzem suas relações
livres em seus espaços ou como andarilhos. Sabem que todo prisioneiro é um
preso político.
Os anarquistas reviraram esse país, no início do
século passado, com seus costumes quanto à educação, cultura, liberdades
pessoais sem as quais não há liberdade coletiva. Produziram a grande greve
geral de 1917, foram perseguidos, presos e exilados. Pretenderam reduzi-los à
pré-história do movimento operário no Brasil. Porém, os anarquistas lidaram e
lidam com diferenças. Hoje, sabem e fazem anarquias de outro modo, planetário
como sempre, contra os monitoramentos, o controle sobre inteligências no
trabalho e nas ruas e avenidas, as fantasias pacificadoras, o abstrato
contrato, a metamorfose do trabalhador em capital humanocomo exige a
racionalidade neoliberal,as fragmentações das lutas sócio-econômicas em diretos
de minorias e culturais, os regimes políticos, suas leis e os macabros ajustes
normativos de condutas. São inimigos da prisão, da polícia, do militarismo, do
tribunal, da propriedade seja ela qual for e do Estado, seja ele qual for. Os
anarquistas são aos seus modos abolicionistas penais. A sociedade é feita de
homens, mulheres, crianças e jovens pulsando, contagiando, e contaminando o
ideal de saúde como peste benigna.
Por aqui, brevemente andei acompanhado de vários
analistas que não requerem a nomeação de autorias individualizantes que lhes
empoderam. Permaneçamos incógnitos entre os inclassificáveis, de vez em quando
mostrando nossa face oculta. Agradeço a gente como Chico Mendes e aos que fazem
de sua existência trágica e transgressiva um momento para aproximar diferenças
entre os que não temem enfrentar o insuportável. Termino com dois versos de um
poeta: “eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem/ apenas sei de
harmonias bonitas possíveis sem juízo final”.
Saúde!...
edson passetti
03/04/2017
Edson Passeti | Graduou-se em
Ciências Sociais na PUC-SP, em 1974. Iniciou-se como professor e pesquisador na
mesma instituição em 1976, concluindo o mestrado com a dissertação Política
Nacional do Bem-Estar do Menor, abordando política, legislação e criança como
política de segurança nacional, durante a ditadura militar no Brasil. Defendeu
o doutorado O impasse liberal por Ludwig von Mises, situando neoliberalismo,
conservadorismo e libertarismo no momento de esgotamento do socialismo
autoritário e do welfare-state. Apresentou a tese de livre-docência Amizade.
Foucault, Nietzsche, Stirner..., junto ao Depto. de Política da Faculdade de
Ciências Sociais, problematizando anarquismos, amizade e estética da existência
na contemporaneidade. É professor no Depto. de Política e no Programa de
Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Orienta trabalhos de
iniciação científica, mestrado e doutorado; supervisiona Pós-Doutorado. Foi
Coordenador do Curso de Ciências Sociais e Diretor da Faculdade de Ciências
Sociais; pertenceu às Comissões de Revisão e Avaliação Curriculares do Curso de
Ciências Sociais; atualmente integra o Conselho Universitário da PUC-SP.
Coordena o Nu-Sol, desde 1997. Atuou no coletivo que editou a revista
libertárias, e atualmente vincula-se à revista autogestionária verve. Realizou
diversos vídeos exibidos em universidades e eventos libertários. Publica
livros, artigos e ensaios no país e no exterior; organiza coletâneas e
colóquios universitários; escreve, em parceria, e coordena, semestralmente,
aulas-teatro; realizou com integrantes do Nu-Sol três séries de antiprogramas
para o Canal Universitário-TV PUC.
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O abaixo-assinado em favor de Edson Passetti continua no ar.Pedimos ampla divulgação para novas assinaturas: https://goo.gl/LrNiZt
Cartas, notas e moções de apoio: http://migre.me/vvbNz
www.pucsp.br/ecopolitica
www.nu-sol.org
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