12/14/2019

As «Charges-Escritas» de Francisco Dos Santos







P E R P L E  X I D A D E   D O S   D I A S  
P I N T A R C O M  P A L A V R A S

 A l f r e d o  F r e s s i a




Humor, sátira, ironia. Sinais de uma distância assumida, de uma explícita recusa e de um desconforto profundo. Não, Francisco ainda não  quer  deixar- se impregnar pela cólera nestas “charges escritas”, estas aguafuertes verbais tão latino-americanas. É evidente que a indig- nação do satírico e a do cidadão frente ao neo-fascismo no Continente (e no mundo) ainda navegarão mais longe na “procelosa tinta”, eu tenho essa melancólica certeza. Mas por enquanto, ainda  –sempre  ainda–      lugar   para   o   humor   fino     que      tempera      a       ironia.  O motor da poesia de um Gregório de Matos   era   a   cólera.   Cólera  amarga,


funesta, aquela que escreve  mas  que, se pudesse, trocaria a pena pela espada e quantas vezes a pena do baiano se torna espada afiada. A indignação de Francisco ainda é a de grande parte da sociedade brasileira hoje. É uma cólera que ronda   a crônica, no sentido que dá conta dos nossos dias e que se torna sinal destes tempos contraditórios, quando ainda imaginamos ter liberdade de expressão mas nada ou quase  nada  podemos frente  ao  Mal.  Podemos   escrever? Sim, por enquanto. Sorrir  –sorriso  quase amarelo–   também    podemos. Um   significante,   dois    significados. Por ora, e nesta plaquette, essa fórmula mágica da história literária não obedece  à mera cautela. Ainda não. Ela está aqui só para fazer rir. Castigat ridendo


já não os costumes coletivos, mas os ovos da serpente, esses que a pena de Francisco detecta e que podem eclodir, ou, quem sabe,  que    quase... Tempos, Cronos, crônicas, sátira dos  dias  que  vivemos.  Sorrisos,  ainda.  Isto é o que o leitor deve encontrar nestas páginas de pura criatividade de um observador que, ele sim, poeta, editor,     cronista,       nos     representa.





POLÍTICA E ESTÉTICA:
O HUMOR COMO VIA
POSSÍVEL DIANTE DO
IMPOSSÍVEL


B i a n c a  D i a s



Política e estética estabelecem fecundo diálogo neste trabalho de  Francisco. Suas charges exploram uma dimensão importante da relação entre o político e   a forma, ou entre as formas do político: uma invenção que só o humor pode abarcar    como    ideia    e    experiência.


No âmbito do político, Francisco tece uma aguda crítica sobre os efeitos e configurações daquilo que se corrompe ou nasce corrompido  por   estrutura,   a   saber,   a própria estrutura da linguagem. Em suas charges, as formas estética e política não são indiferentes uma à outra e possuem uma peculiar capacidade    indutora.


A via da transfiguração proposta pelo humor alucina a língua e aproxima desejo e linguagem, que não são e nunca poderão ser indiferentes. Embora a melancolização de nossos tempos totalitários seja um em- puxo na contramão de qualquer invenção, Francisco    se    arrisca    nessa façanha.


Não sei se é possível escapar ao poder através do aspecto cortante e agudo do humor, mas no seu gesto paradoxal há uma abertura ao pensamento que é também uma maneira de se colocar em causa na relação com a democracia, na possibilidade viva e pulsante da circulação da palavra, capturando a fina flor da contingência diante do impossível de respirar.   Uma  fresta  de  vida  –  invenção,  
subversão ou fabulação que pode clarear momentaneamente zonas do real.  Mordaz e irreprimível, Francisco valoriza o humor justamente por sua particular característica subversiva. Característica esta, importa ressaltar, que permite a construção de vias alternativas de desafio e enfrentamento  através  da  palavra   e de        deslocamentos        na      língua.

  
As charges dizem o que não pode ser dito de outra maneira. Há sempre uma saída indireta, um caminho desviante, um ato de transgressão. Criam caricaturas para  ir ao ponto exato da inquietação, trans- formam afetos e formas de se afetar numa operação refinada, das mais  elevadas,  ao lado da sublimação. Se a sublimação 
eleva seu objeto à dignidade de coisa, como nos  propõe  o  psicanalista  Jacques Lacan, o humor extrai, da indignidade de seu objeto, um prazer nobre e sofisticado que, se não faz desaparecer a indignidade,  pelo  menos  a  torna  suportável.


O humor, então, também resiste, mesmo diante do horror e do sofrimento. É a resistência política que enfrenta o inimigo  e a censura por meio da astúcia, é a resistência à própria morte que enfrenta as agruras da vida, transformando desgraça em graça, sintetizando a corrupção estrutural da linguagem de maneira a fazer com que cada um possa se responsabilizar pelo seu gozo e, mais
do que ser incorruptível  ou  virtuoso,  que cada um possa encontrar uma forma singular de se enlaçar, sabendo que há sempre um resto impossível de simbolizar e que, frente a ele, podemos sucumbir, ou criar e inventar as frestas e as festas possíveis na linguagem.




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