2/04/2011

FOUCAULT / BLANCHOT / BATAILLE / NIETZSCHE












AS EXPERIÊNCIAS LIMITE

Trechos de entrevista feita por Foucault a Ducio Trombadore, ao final de 1978.

[p. 42]Eu não me considero filósofo. O que faço não é nem uma maneira de fazer filosofia, nem de sugerir aos outros que a façam. Os autores mais importantes que me, não direi formaram, mas permitiram destacar-me de uma formação [p. 43] universitária, foram pessoas como Bataille, Nietzsche, Blanchot, Klossowski, que não eram filósofos no sentido institucional do termo, e um certo número de experiências pessoais, certamente. O que me deixa mais golpeado e fascinado neles, e que deu essa importância capital para mim, é que seus problemas não eram o da construção de um sistema, mas de uma experiência pessoal. Na universidade, pelo contrário, eu tinha sido treinado, formado, empurrado à aprendizagem dessas grandes maquinarias filosóficas que se chamavam hegelianismo, fenomenologia…

(…)

A experiência do fenomenólogo é, no fundo, uma certa maneira de pôr um olhar reflexivo sobre um objeto qualquer do vivido, sobre o cotidiano em sua forma transitória, para extrair as significações. Para Nietzsche, Bataille, Blanchot, ao contrário, a experiência é tentar chegar a um certo ponto da vida que seja o mais próximo do invivível [l´invivable]. O que se requer é o máximo de intensidade e, ao mesmo tempo, de impossibilidade. O trabalho fenomenológico, pelo contrário, consiste em estender todo o campo de possibilidades ligadas à experiência cotidiana.

Por outro lado, a fenomenologia busca restituir a significação da experiência cotidiana para reencontrar em quê o sujeito que sou é efetivamente fundador, em suas funções transcendentais, dessa experi~encia e de suas significações. Em contrapartida, a experiência em Nietzsche, Blanchot, Bataille tem por função arrancar o sujeito de si mesmo, de fazer em sorte que ele não seja mais ele mesmo ou que ele seja levado à sua distruição ou à sua dissolução. É um empreendimento de des-subjetivação.

A idéia de experiência-limite, que arranca o sujeito de si mesmo, eis o que tem sido importante para mim na leitura de Nietzsche, de Bataille, de Blanchot, e que tem feito que, embora fastidiosos, também eruditos que sejam meus livros, eu os tenho sempre concebido como experiências diretas visando a me arrancar a mim mesmo, a me impedir de ser o mesmo.

(…)

[p. 48] Nietzsche, Blanchot e Bataille são os autores que me permitiram liberar-me dos que dominaram minha formação universitária, no decorrer dos anos 50: hegel e a fenomenologia. Fazer filosofia, então, como ainda é hoje, significava principalmente fazer história da filosofia. E se procedia, delimitada de um lado pela teoria do sistemas de Hegel e de outro pela filosofia do sujeito, sob a forma da fenomenologia e do existencialismo. em substância, era Hegel que prevalecia. Tratava-se, de qualquer forma, para a França de uma descoberta recente, depois os trabalhos de Jean Wahl e a lição de Hyppolite. Era um hegelianismo fortemente penetrado de fenomenologia e existencialismo, centrado no tema da consciência infeliz [conscience malheureuse]. E era, no fundo, o que a Universidade francesa poderia oferecer de melhor como forma de compreensão, a mais vasta possível, do mundo contemporâneo, à pena saído da tragédia da Segunda Guerra e das grandes perturbações que a tinham precedido: a revolução russa, o nazismo, etc. Se o hegelisnismo se apresentava como a maneira de pensar racionalmente o trágico, vivida pela geração que nos tinha imediatamente precedido, e sempre ameaçado, fora da Universidade, era Sartr5e que estava em voga com sua filosofia do sujeito. Ponto de reencontro entre a tradição filosófica universitária e a fenomenológica, Merleau-Ponty desenvolvia o discurso existencial em um domínio particular como o da inteligibilidade do mundo, do real. Esse é o panorama intelectual que me fez amadurecer: de um lado, não ser um historiador da filosofia como meus professores, e, de outro, pesquisar qualquer coisa totalmente diferente do existencialismo: essa tem sido a leitura de Bataille e de Blanchot e, através delas, de Nietzsche. O que é que eles representam para mim?


Primeiro, um convite a pôr em questão a categoria do sujeito, sua supremacia, sua função fundadora. Depois, a convicção que uma tal operação não teria nenhum sentido se permanecesse limitada às especulações; recolocar em questão o sujeito significaria experimentar qualquer coisa que conduziria à sua destruição real, à sua dissociação, à sua explosão, a seu retorno em outra coisa.

(…)

[p. 49] Para mim, a política tem sido a ocasião de fazer uma experiência à la Nietzsche ou Bataille. Para qualquer um que tinha vinte anos logo após a Segunda Guerra mundial, que não tinha sido levado pela moral da guerra, que poderia bem ser a política quando se tratava de escolher entre a América de Truman e a URSS de Stálin? Entre a antiga SFIO e a democracia cristã? Tornar-se um intelectual burguês, professor, jornalista, escritor ou outro em um mundo parecido era intolerável. A experiência da guerra nos tinha demonstrado a necessidade e a urgência de uma sociedade radicalmente diferente daquela que vivíamos. Essa sociedade que tinha permitido o nazismo, que tinha se curvado diante dele, e que tinha passado em bloco ao lado de De Gaulle. Face a tudo isso, uma grande parte da juventude franceça teve uma reação de desgosto total. Desejava-se um mundo e uma sociedade não somente diferentes, mas que teriam sido um outro nós-mesmos; desejava-se ser completamente outro em um mundo completamente outro.

Igualmente o hegelianismo que nos era proposto na universidade com seu modelo de inteligibilidade contínua da história não estava à altura de nos satisfazer. Assim como a fenomenologia e o existencialismo, que mantinham o primado do sujeito e seu valor fundamental. Enquanto que por outro lado o tema nietzscheano da descontinuidade, de um super-homem que seria todo outro em relação ao homem. Seguidamente, em Bataille, o tema das experiências-limite pelos quais o sujeito sai de si mesmo, se decompõe como sujeito, aos limites de sua própria impossibilidade, teria um valor essencial. Essa foi para mim uma espécie de saída entre o hegelianismo e a identidade filosófica do sujeito.

(…)

Em uma filosofia como a de Sartre, o sujeito doa sentido ao mundo. Esse ponto não é posto em questão. O sujeito atribui as significações. A questão seria: pode-se dizer que o suejtio seja a única forma de existência possível? Não poderiam haver experiências ao curso das quais o sujeito não seja mais dado, em suas relações [p. 50] constitutivas, no que o identifica a si mesmo? Não haveria portanto experiências nas quais o sujeito possa se dissociar, quebrar a relação consigo mesmo, perder sua identidade? E não seria isso a experiência de Nietzsche com o eterno retorno?

(…)

A descoberta de Nietzsche se produziu fora da universidade. Em razão do emprego que haviam feito os nazista, Nietzsche era completamente excluído do ensinamento. Por outro lado estava muito em voga uma leitura continuísta do pensamento filosófico, uma atitude de respeito da filosofia da história que associava, em qualquer sorte, hegelianismo e existencialismo. E, a dizer a verdade, a cultura marxista dividia assim essa filosofia da história.

FOUCAULT, M. ENTRETIEN AVEC MICHEL FOUCAULT (281). «CONVERSAZIONE CON MICHEL FOUCAULT» («ENTRETIEN AVEC MICHEL FOUCAULT»; ENTRETIEN AVEC D. TROMBADORI, PARIS, FIN 1978), IL CONTRIBUTO, 4E ANNÉE, NO 1, JANVIER-MARS 1980, PP. 23-84. IN DITS ET ECRITS, VOL. IV, P. 41-95. PARIS: GALLIMARD, 1994.

Nenhum comentário:

Postar um comentário