Imagem: Gil Maciel: http://cargocollective.com/gilmaciel#Cartazes |
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Anti-Retratos │ por Alberto Pucheu
Não autorizo de modo
algum que algum usurpador em mim escreva minha autobiografia. Quem quiser que
faça minha autobiografia sem autorização prévia. Só não diga depois que é
minha. Tudo de que alguém em mim pode se apropriar em mim não me interessa. Só
me interessa o que alguém em mim pode escrever para me livrar de mim. E, em
defesa de minha privacidade, não abro mais a boca, porque vivo traindo o que
nem sei de mim em mim, e tudo que falo de mim me torna, na fala, público,
passível de ser uma autobiografia já feita por algum usurpador de mim.
Biografias de quem?
Possuir na escrita a vida de alguém? Quem sente sua vida tomada por uma
biografia? Em que medida uma vida é possuída? Que autoria ou autoridade se tem
sobre uma vida? Quem é esse - o poeta?
“O poeta é fora de
si” – Platão
“[O poeta] não tem identidade” – Keats
“Se então [o poeta] não tem um si mesmo, e se
eu sou um Poeta, onde estaria a Surpresa se eu dissesse que eu não escreveria
mais?” - Keats
“É algo vergonhoso confessar: é um fato certo
que nenhuma palavra que jamais pronunciei pode ser tomada como uma opinião
nascida de minha própria natureza – como poderia ser, se não tenho nenhuma
natureza?” – Keats
“Se os velhos imbecis tivessem descoberto algo
mais que a falsa significação do Eu, não teríamos de varrer esses milhões de
esqueletos que, desde um tempo infinito, vêm acumulando os produtos de sua
inteligência caolha, arvorados em autores! [...] Porque Eu é um outro. Se o
cobre acorda clarim, nenhuma culpa lhe cabe. Para mim é evidente: assisto à
eclosão de meu pensamento: eu a contemplo, eu a escuto” – Rimbaud
”Hoje, já não tenho personalidade: quanto em
mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra tenho sido
o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha” –
Fernando Pessoa
“A origem mental dos
meus heterônimos está na minha tendência orgânica e constante para a
despersonalização” – Fernando Pessoa
“A escrita é destruição de toda a voz, de toda
a origem. A escrita é esse neutro, esse compósito, esse oblíquo para onde foge
o nosso sujeito, o preto-e-branco aonde vem perder-se toda a identidade, a
começar precisamente pela do corpo que escreve” – Roland Barthes
“Na escrita [...] não se trata da amarração de
um sujeito em uma linguagem: trata-se da abertura de um espaço onde o sujeito
que escreve não para de desaparecer [...] a marca do escritor não é mais do que
a singularidade de sua ausência: é preciso que ele faça o papel do morto no
jogo da escrita” – Michel Foucault
“Se chamarmos o gesto o que continua
inexpresso em cada ato de expressão, poderíamos afirmar então que, exatamente
como o infame, o autor está presente no texto apenas em um gesto, que
possibilita a expressão na mesma medida em que nela instala um vazio central
[...] Sua vida é apenas jogada, nunca possuída, nunca representada, nunca dita
– por isso ela é o lugar possível, mas vazio, de uma ética, de uma forma de
vida [...] O autor é o ilegível que torna possível a leitura, o vazio lendário
de que procedem a escritura e o discurso” – Giorgio Agamben.
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Alberto Pucheu / Poeta e professor de Teoria Literária da UFRJ
(pesquisador do CNPq) autor de diversos livros de poesia e teoria, sendo o mais
recente A fronteira desguarnecida (poesia reunida 1993-2007), e Pelo colorido,
para além do cinzento – A literatura e seus entornos interventivos, ambos pela
Azougue Editorial, 2007.
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