ECCEZIONE
VIRALE
JEAN-LUC NANCY
Publicado em: « Antinomie » | 27. 02. 2020
Tradução:
Davi Pessoa
Giorgio Agamben, um velho amigo, afirma que o coronavírus
pouco difere de uma simples gripe. Esquece que, para a gripe
"normal", dispomos de uma vacina de eficácia comprovada. E mesmo esta
deve ser readaptada todos os anos às mutações virais. Apesar disso, a gripe
"normal" sempre mata várias pessoas e o coronavírus para o qual não
existe vacina é capaz de uma mortalidade evidentemente bem mais alta. A
diferença (de acordo com fontes do mesmo tipo que aquelas de Agamben) é de
aproximadamente de 1 para 30: não me parece uma diferença pouco substancial.
Giorgio afirma que os governos se apropriam de todo tipo de
pretexto para instaurar estados contínuos de exceção. Mas ele não percebe que a
exceção se torna, na realidade, a regra em um mundo em que as interconexões
técnicas de todos os tipos (deslocamentos, transferências de todas as formas,
exposições ou difusão de substâncias etc.) alcançam uma intensidade
desconhecida até agora e que cresce igualmente com a população. A multiplicação
desta também leva nos países ricos a um prolongamento da vida e ao aumento do
número de idosos e, em geral, de pessoas em risco.
Não se deve errar o alvo: uma civilização inteira está
colocada em questão, não há dúvida sobre isso. Há um tipo de exceção viral -
biológica, informática, cultural - que nos pandemiza. Os governos nada mais são
do que tristes executores e atacá-los se assemelha mais a uma manobra de desvio
que a uma reflexão política.
Lembrei que Giorgio é um velho amigo. Lamento trazer à tona
uma lembrança pessoal, mas não me afasto, no fundo, de um registro de reflexão
geral. Quase trinta anos atrás, os médicos julgaram que eu tinha que fazer um
transplante de coração. Giorgio foi uma das poucas pessoas que me aconselhou a
não ouvi-las. Se tivesse seguido seu conselho, provavelmente teria morrido em
pouco tempo. Podemos nos enganar. Giorgio continua sendo um espírito de uma
fineza e de uma delicadeza que podem ser definidas - sem nenhuma ironia -
excepcionais.
PUBLICADO ORGINALMENTE EM:
Nenhum comentário:
Postar um comentário