Evando
Nascimento Camacã
Li tanto nos
últimos dias sobre “A Filha Perdida”, de Maggie Gyllenhaal, que acabei não
resistindo. Simplesmente magnífico. É um filme sobre o desejo (sexual,
profissional, existencial etc.), o afeto e seus obstáculos. Claro, a
maternidade está no centro fulcral do enredo. Todavia, a história envolve
igualmente muitas outras nuanças de sentimentos, buscas, incertezas,
frustrações, desamparos mas também êxitos & encontros felizes – como a
vida. O envelhecimento é tratado de forma realista, sem pieguice, como um
desafio na Linha do Tempo – essa “Time Line” que nos devora aqui mesmo no Livro
dos Rostos.
É um daqueles
filmes em que cada detalhe conta – as metáforas da boneca roubada e da casca de
laranja recortada por inteiro dariam por si sós dois belos ensaios poéticos. E
que a literatura comparada seja um dos elementos da trama não é nada
fortuito... A aproximação com Sonata de Outono, obra-prima de Ingmar Bergman
que marcou época, seria anódina: é outra película, outra história, outro
contexto.
O problema é que
o desejo é contraditório, vai em múltiplas direções. Por vezes é preciso tomar
decisão e suspender (provisoriamente) uma das alternativas, com o risco de se
ferir quem mais se ama. É o que descobre a jovem Leda, professora e crítica
universitária em formação, e a mesma personagem mais tarde, já como scholar
consagrada, de férias numa praia da Grécia. Enquanto se está viva ou vivo,
desejar nunca acaba, mas o mundo, as pessoas e a moral vigente impõem
julgamentos rasos.
Destaque
absoluto para a direção e o roteiro (Gyllenhaal), para a atriz que faz a densa
protagonista mais velha Leda (Olivia Colman) e também para a jovem (Jessie Buckley), para a fotografia (de Hélène Louvart) e para a montagem (de Affonso
Gonçalves). A meu estrito ver, não é um filme feminino nem feminista apenas, é
antes de tudo humano e além do Homem, sob o olhar dessas mulheres todas, e com
um toque masculino. Tudo numa precisão e numa delicadeza raras no cinema, na
literatura, na vida. Belíssimo!
História
recomendada, portanto, para toda a família: esposas, filhas, filhos, maridos e
até possíveis amantes... (desconheço a indicação etária).
Não li o livro
de Elena Ferrante, nem pretendo, por absoluta falta de tempo. Porém o filme se
sustenta sozinho – e esse tipo de comparação também é contraproducente, pois
são obras distintas.
P.S.: o título
alternativo do post é proustianamente intencional: “Le Temps Retrouvé”...
“Texto publicado originalmente no mural do escritor no Facebook”: https://www.facebook.com/evando.nascimento.37
EVANDO NASCIMENTO CAMACÃ nasceu em Camacã, na Bahia. Vive há quatro décadas no Rio de Janeiro. É ensaísta, escritor e artista visual. Foi professor na Universidade Federal de Juiz de Fora e na Université Stendhal de Grenoble, na França. É autor de Retrato desnatural (Record), Cantos do mundo (Record, finalista do Prêmio Portugal Telecom, atual Oceanos, em 2011), Cantos profanos (Globo) e A desordem das inscrições (7Letras).
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