4/17/2013

PUNIR JOVENS, PUNIR JOVENS MAIS CEDO: O PLEONASMO DO MESMO │Nu-Sol










hypomnemata 155
Boletim eletrônico mensal do 
Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
Abril de 2013




MORTE, PUNIÇÃO E UMA QUESTÃO URGENTE


A prisão está cercada. Por juízes, promotores, diretores e o Primeiro Comando da Capital.

Nela não se entra mais facilmente em nome do interesse público em fiscalizar, retratar, analisar. Nem mesmo como matéria jornalística.
O governo da prisão está recomposto segundo os negócios estabelecidos e confirmados entre os que mandam e os que estão ali confinados.
A sociedade civil organizada concorda com a nova gestão fechada da prisão, pois esta é imprescindível para quem não tem mais jeito e pouco se importa com a sobrevivência lá dentro.
A sociedade civil organizada quer esquecer os prisioneiros e não se envolve, propositalmente, com os novos vínculos da prisão com o exterior. Ela não suporta mais rebeliões.
Todavia, a prisão não é mais só um covil de desajustados. Tornou-se espaço para novos negócios lucrativos, novas formas de exploração e sujeições.
Para tal, conta com a obsessão de cada um por mais e mais punições.
Quando as lutas por direitos negligenciam a prisão, cresce a economia e cultura da punição.


A HABITAÇÃO CERCADA

Casas, edifícios, ruas sem saída hoje em dia estão cercados de muros e grades altas adornadas por concertinas e câmeras de monitoramentos.
Trata-se da materialidade da segurança particular e pública, que tornam indispensáveis polícias de vigilâncias, empresas de seguros, rastreamentos de movimentos irregulares em seus interiores.
Acopla-se a este arsenal a sedimentada subjetividade policialesca e penalizadora que governa crianças e jovens desde bem pequeninos.
A renovação da família, com pletora de direitos, consolidou a cultura do castigo como princípio e meta.
Diante das teses que, no passado, situavam a pobreza relacionada com as infrações, tomou dianteira a tese neoliberal do infrator como portador de desvio moral incorrigível.
Desde então, ouve-se aqui e ali, que a pobreza não é condição da violência, mas sim do déficit moral de cada pobre.
Não há só prisões, mas casas-prisões, subjetividades-prisões, variadas penalizações.
A prisão e o castigo ajustam-se ao escopo da verdadeira educação democrática.


MATAR E MORRER

Um jovem de 17 anos procedente de família pobre, com formação religiosa, emprego sazonal, escolaridade regular e seletivamente capturado pelas instituições penalizadoras está registrado com passagens pela Fundação Casa.
Ele aborda um jovem universitário de 19 anos, apontando-lhe uma arma, na porta de um edifício-prisão, e o intima a entregar o celular.
O jovem acossado, monitorado pelo sistema de segurança e diante das grades altas que protegem o edifício, entrega o celular.
Em seguida é alvejado pelo outro e morre.
A estúpida cena é veiculada pela mídia televisiva.
De imediato os pais, os colegas universitários em passeata e demais cidadãos ajuizados clamam pela redução imediata da idade penal.
O governador de São Paulo a endossa.
Entretanto, em breve tempo, desvenda-se um mistério: o jovem que acionou o revólver o fez quando o assaltado pronunciou algo como “eu sou polícia”!
O que era visto como falta de juízo até aquele momento passou ao entendimento: diante da polícia, o acionar do gatilho pelo jovem assaltante esclarece que não houve nada de surpreendente além de sórdida rotina.
Os dois jovens foram alvejados pelas misérias de suas sobrevivências.


MATAR E JULGAR

Um jovem estava investido de convicção policial. O outro, convencido pela infração.
Quem estiver armado atira e mata.
Não há policiamento, equipamentos de segurança ou educação democrática que contenha o desesperado desejo pelo consumo.
Os jovens das classes superiores não matam por provisórios celulares. Matam pela propriedade.
Uns e outros querem mais e mais bens, com ou sem juízo, com ou sem a perda momentânea do juízo.
A propriedade é um roubo ardiloso praticado pelo mais forte com a finalidade de perpetuar os demais em condições de miséria e pobreza.
Em ocasiões problemáticas, os que clamam por justiça querem simplesmente a morte do outro, a justiça de talião escorada na impessoalidade da lei.
Exigir redução da idade penal, então, não passa de dissimulação. Ela expressa a verdade da propriedade, da lei, da justiça e dos juízos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Fundação Casa reiteram a seletividade do sistema penal.
O desejo de morte do outro pela população moralmente sã renova sua conformada e abjeta vida encarcerada. 


MATAR E PRENDER

A prisão e a casa formam um duplo semelhante.
Muros altos, monitoramentos e agendas de seguros devem garantir que as vidas dos que as habitam sejam governadas como bons negócios, discretos conflitos, e com amor pela moradia.
Desde que nada interfira em lucros, que os ilegalismos permaneçam e que a permissividade seja passível de bom governo.
Matar e prender são efeitos deste racismo social que não prescinde do racismo biológico.
O astuto cordato de ocasião apenas pronuncia o desejo de escalar quem deve morrer.
Os miseráveis que preferem furtar e inevitavelmente matar qualquer um diante das circunstâncias não são apenas os infames que, com suas condutas, alimentam a continuidade de ricos proprietários.
Eles não pensam em acabar com a propriedade, nem com sua condição de pobre desprezível.
A seu modo expressam a vitória dos proprietários, de seus governos, de sua seletiva justiça, de sua polícia que emprega e arma outros miseráveis como eles para manter a moral do bem e que para assegurar esta decadente sociedade permite matar.


PUNIR JOVENS, PUNIR JOVENS MAIS CEDO: O PLEONASMO DO MESMO

Punir mais cedo é o ideal da política de prevenção ao crime.
Mas este não é o velho argumento da falácia da prevenção geral exercitado desde o século XVIII?
E este já não foi, também, o argumento que ensejou a lei de crimes hediondos no país há poucos anos?
E crime hediondo é o que?
Crime + hediondo = crime criminoso.
Será que não faremos senão confirmar pelas tautologias e pleonasmos o que na vida não existe?
E a natureza ontológica do crime? Não e-xis-te.
Isto que chamam de crime e direito universal é uma construção política recente, uma verdade que reafirma o interesse dos poderosos.


DIANTE DO MESMO, UMA QUESTÃO URGENTE!

Será que somos incapazes de lidar com cada situação-problema sem esvaziá-la, para preenchê-la pela velha ideia do castigo que se naturalizou pelo costume em cada um?
Quem está disponível a enfrentar a sanha que atravessa sua voluntária mortificação?
Que tal experimentar o inédito?
Não aprisionar mais jovem algum?
Esta sim é uma questão urgente para quem está interessado em afirmar liberdades que não se apartam do curso livre da vida.
O resto é a carcomida encenação do juízo, dos códigos e suas reformas, dos negócios políticos rentáveis na continuidade dos aprisionamentos dentro e fora de cárceres em espaços variados, que sempre se iniciam pelos corpos de crianças e jovens.




toda 3ª feira flecheira libertária em















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