hypomnemata 155
Boletim eletrônico mensal do
Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
Abril de 2013
Abril de 2013
MORTE, PUNIÇÃO E UMA QUESTÃO URGENTE
A prisão está cercada. Por juízes, promotores, diretores
e o Primeiro Comando da Capital.
Nela não se entra mais facilmente em nome do interesse
público em fiscalizar, retratar, analisar. Nem mesmo como matéria jornalística.
O governo da prisão está recomposto segundo os negócios
estabelecidos e confirmados entre os que mandam e os que estão ali confinados.
A sociedade civil organizada concorda com a nova gestão
fechada da prisão, pois esta é imprescindível para quem não tem mais
jeito e pouco se importa com a sobrevivência lá dentro.
A sociedade civil organizada quer esquecer os
prisioneiros e não se envolve, propositalmente, com os novos vínculos da prisão
com o exterior. Ela não suporta mais rebeliões.
Todavia, a prisão não é mais só um covil de desajustados.
Tornou-se espaço para novos negócios lucrativos, novas formas de exploração e
sujeições.
Para tal, conta com a obsessão de cada um por mais e mais
punições.
Quando as lutas por direitos negligenciam a prisão,
cresce a economia e cultura da punição.
A HABITAÇÃO CERCADA
Casas, edifícios, ruas sem saída hoje em dia estão
cercados de muros e grades altas adornadas por concertinas e câmeras de
monitoramentos.
Trata-se da materialidade da segurança particular e
pública, que tornam indispensáveis polícias de vigilâncias, empresas de
seguros, rastreamentos de movimentos irregulares em seus interiores.
Acopla-se a este arsenal a sedimentada subjetividade
policialesca e penalizadora que governa crianças e jovens desde bem pequeninos.
A renovação da família, com pletora de direitos,
consolidou a cultura do castigo como princípio e meta.
Diante das teses que, no passado, situavam a pobreza
relacionada com as infrações, tomou dianteira a tese neoliberal do infrator
como portador de desvio moral incorrigível.
Desde então, ouve-se aqui e ali, que a pobreza não é
condição da violência, mas sim do déficit moral de cada pobre.
Não há só prisões, mas casas-prisões,
subjetividades-prisões, variadas penalizações.
A prisão e o castigo ajustam-se ao escopo da verdadeira
educação democrática.
MATAR E MORRER
Um jovem de 17 anos procedente de família pobre, com
formação religiosa, emprego sazonal, escolaridade regular e seletivamente
capturado pelas instituições penalizadoras está registrado com passagens pela
Fundação Casa.
Ele aborda um jovem universitário de 19 anos,
apontando-lhe uma arma, na porta de um edifício-prisão, e o intima a entregar o
celular.
O jovem acossado, monitorado pelo sistema de segurança e
diante das grades altas que protegem o edifício, entrega o celular.
Em seguida é alvejado pelo outro e morre.
A estúpida cena é veiculada pela mídia televisiva.
De imediato os pais, os colegas universitários em
passeata e demais cidadãos ajuizados clamam pela redução imediata da idade
penal.
O governador de São Paulo a endossa.
Entretanto, em breve tempo, desvenda-se um mistério: o
jovem que acionou o revólver o fez quando o assaltado pronunciou algo como “eu
sou polícia”!
O que era visto como falta de juízo até aquele momento
passou ao entendimento: diante da polícia, o acionar do gatilho pelo jovem assaltante
esclarece que não houve nada de surpreendente além de sórdida rotina.
Os dois jovens foram alvejados pelas misérias de suas
sobrevivências.
MATAR E JULGAR
Um jovem estava investido de convicção policial. O outro,
convencido pela infração.
Quem estiver armado atira e mata.
Não há policiamento, equipamentos de segurança ou
educação democrática que contenha o desesperado desejo pelo consumo.
Os jovens das classes superiores não matam por
provisórios celulares. Matam pela propriedade.
Uns e outros querem mais e mais bens, com ou sem juízo,
com ou sem a perda momentânea do juízo.
A propriedade é um roubo ardiloso praticado pelo mais
forte com a finalidade de perpetuar os demais em condições de miséria e
pobreza.
Em ocasiões problemáticas, os que clamam por justiça
querem simplesmente a morte do outro, a justiça de talião escorada na
impessoalidade da lei.
Exigir redução da idade penal, então, não passa de
dissimulação. Ela expressa a verdade da propriedade, da lei, da justiça e dos
juízos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Fundação Casa
reiteram a seletividade do sistema penal.
O desejo de morte do outro pela população
moralmente sã renova sua conformada e abjeta vida encarcerada.
MATAR E PRENDER
A prisão e a casa formam um duplo semelhante.
Muros altos, monitoramentos e agendas de seguros devem
garantir que as vidas dos que as habitam sejam governadas como bons negócios,
discretos conflitos, e com amor pela moradia.
Desde que nada interfira em lucros, que os ilegalismos
permaneçam e que a permissividade seja passível de bom governo.
Matar e prender são efeitos deste racismo social que não
prescinde do racismo biológico.
O astuto cordato de ocasião apenas pronuncia o desejo de
escalar quem deve morrer.
Os miseráveis que preferem furtar e inevitavelmente matar
qualquer um diante das circunstâncias não são apenas os infames que, com suas
condutas, alimentam a continuidade de ricos proprietários.
Eles não pensam em acabar com a propriedade, nem com sua condição
de pobre desprezível.
A seu modo expressam a vitória dos proprietários, de seus
governos, de sua seletiva justiça, de sua polícia que emprega e arma outros
miseráveis como eles para manter a moral do bem e que para assegurar esta
decadente sociedade permite matar.
PUNIR JOVENS, PUNIR JOVENS MAIS CEDO: O PLEONASMO DO
MESMO
Punir mais cedo é o ideal da política de prevenção ao
crime.
Mas este não é o velho argumento da falácia da prevenção
geral exercitado desde o século XVIII?
E este já não foi, também, o argumento que ensejou a lei
de crimes hediondos no país há poucos anos?
E crime hediondo é o que?
Crime + hediondo = crime criminoso.
Será que não faremos senão confirmar pelas tautologias e
pleonasmos o que na vida não existe?
E a natureza ontológica do crime? Não e-xis-te.
Isto que chamam de crime e direito universal é uma
construção política recente, uma verdade que reafirma o interesse dos
poderosos.
DIANTE DO MESMO, UMA QUESTÃO URGENTE!
Será que somos incapazes de lidar com cada situação-problema
sem esvaziá-la, para preenchê-la pela velha ideia do castigo que se naturalizou
pelo costume em cada um?
Quem está disponível a enfrentar a sanha que atravessa
sua voluntária mortificação?
Que tal experimentar o inédito?
Não aprisionar mais jovem algum?
Esta sim é uma questão urgente para quem está interessado
em afirmar liberdades que não se apartam do curso livre da vida.
O resto é a carcomida encenação do juízo, dos códigos e
suas reformas, dos negócios políticos rentáveis na continuidade dos
aprisionamentos dentro e fora de cárceres em espaços variados, que sempre se
iniciam pelos corpos de crianças e jovens.
toda 3ª feira flecheira libertária em
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