Edmond Jabès
A
subversão é o movimento mesmo da escritura: o da morte.
O
escrito não é um espelho. Escrever é afrontar um rosto desconhecido.
Demente
é o mar por não poder morrer de uma só vaga.
★
O
que é a subversão?
– Talvez, da
rosa que te fascina, o mais discreto espinho.
Ao
corpo, ao espírito o livro impõe seu ritmo.
Livre
é, então, o campo da subversão.
O que quer que tu faças, és a ti que tu esperas salvar. És a ti que tu perdes.
A
verdade conhece todas as subversões.
«Se o que nos retém é o lugar, um entrave, uma humilhante peia terá sido, enfim, a minha», dissera ele.
Para todo lugar, tu terás tido apenas a esperança de um lugar clemente para além das areias: miragem do repouso.
Terei,
por toda parte, abatido as cercas, oferecendo às minhas obras, além de seu
espaço próprio, o infinito de um espaço interdito.)
Há
um tempo para o preito. Tempo forte ou fraco.
Toda
subversão reclama, primeiro, nossa plena adesão.
Não
podemos dobrar a subversão. Pomos um fim a ela ao obrigá-la a mudar de alvo.
Como
a sombra aos pés da noite, a subversão só pode desembocar sobre si mesma.
Viver
é fazer sua a subversão do instante e morrer aquela, irreversível, da
eternidade.
«Cadência
da subversão. Ah! Eu precisava reencontrar essa cadência», dissera ele.
Tu
não tens criado. A exemplo de Deus, em tua pequena esfera de ação, tu crias
para o instante.
A
subversão é pacto de porvir.
«Em
seu mais alto período, tão natural, tão inocente é a subversão, que eu seria
tentado a considerá-la como um dos momentos privilegiados do reestabelecimento
de nosso precário equilíbrio», dissera ele ainda.
A ameaça é ilegível.
★
Se
a palavra clareia, o silêncio não obscurece: ele regenera.
A
banalidade não é inofensiva: aciano.
(«A banalidade não é absolutamente desprovida
de subversão. Aliada do tempo que a desvaloriza, ela é subversão banalizada»,
dissera ele.)
A
subversão odeia a desordem. Ela é, ela mesma, ordem virtuosa oposta a uma ordem
reacionária.
O
conhecimento se choca contra a fria extensão da ignorância, como raios solares
no espelho do mar cuja profundidade os estupefica.
(Não
há ações excepcionais. Há apenas ações naturais; mas, entre elas, há maiores e
medíocres.
* * *
Sábios e loucos de meus livros, que me
tendes familiarizado com a subversão, vosso lugar permanece aqui. Nenhures. No
meio das areias onde, deitado sem querer morrer ainda, tenho, geralmente,
deixado minhas mãos se abrirem ao vazio.
Profetas subversivos do árido reino
aonde fui unir-me a vós, vós tendes preenchido meus anos com vossas sentenças,
alvejado meu céu com vossas questões insistentes, sepultado minhas certezas sob
vossos passos.
«O universo é um livro do qual cada dia
é a folha. Nele tu lês uma página de luz – de despertar – e uma página de
sombra – de sono –; uma palavra de aurora e uma palavra de olvido», havia ele
notado.
O deserto não tem nenhum livro.
Caderneta
saltitantes questões.
É
em um mar esgotado, recolhido à passividade da água, que tu te banharás.
Sombras
sem sombra,
Luzes
sem luz
São
os rastros realçados do olvido
e,
aqui, o mistério do caminho.
Deus
é, de Deus, o Silêncio que se cala.
Entrar
em si mesmo é descobrir a subversão.
Tradução:
Eclair Antonio Almeida Filho
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